Terá Deus nos abandonado?

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“Deus estará à frente”; “Deus não permitirá que tal ou qual fato aconteça”. Mas, então, o fato, visto como negativo, se consuma. E, nesse momento, a fé de muitos esmorece. “Como Deus pôde permitir tal coisa?”, muitos hão de se perguntar. Vamos abordar e enfrentar esse problema nas linhas seguintes.

Muitos, nos momentos de sofrimentos, injustiças, barbáries, caem nesse questionamento e, sem ter uma resposta concreta, veem sua fé quase ruir, a ponto de, muitas vezes, se afastarem da religião e da espiritualidade, caindo nas garras do materialismo. Esse movimento se dá unicamente por uma razão: por estarmos quase em totalidade baseados em falsas ideias. Ora, a falsa ideia, sendo falsa, não se sustenta contra a lei natural. Se vê desmentida e desaba, ante ao curso da lei divina, não importando os nossos protestos. Seria isso uma impiedade divina? Ou, pior, demonstraria tudo isso que Deus não existe?

Falamos das falsas ideias. Ora, uma delas é a de que Deus interfere nas nossas escolhas. Outra é que Deus teria um oposto, o Diabo. Ambas ligam-se a um mesmo problema: a falsa suposição de que somos guiados, seja por Deus, seja pelo Diabo, seja pelas “forças”, seja pelos astros ou pelo “universo”. É a falsa ideia da heteronomia, que, criada sobre uma doutrina filosófica que domina a sociedade, nos faz cair nessas ciladas morais e intelectuais.

Questiona-se, portanto: é errado raciocinar, se esse raciocínio nos conduz para longe de Deus? Seria a ciência humana condenável, nesse sentido? Afirmo: o problema não está em raciocinar, mas, sim, em raciocinar sobre falsos princípios. Sendo o homem criação de Deus, seu intelecto também o é. Negar o intelecto, o raciocínio, seria negar a Deus. Raciocinar é necessário – é uma imposição da lei – e, quando o raciocínio nos leva a uma negação da lei (aqui, me referindo à lei natural, divina) e da própria razão, quer dizer que estamos nos baseando numa falsa ideia, que conduz a falsos resultados.

Não gastarei tempo destacando a impossibilidade da existência de uma força contrária a Deus, nem mesmo da inexistência do mal. Allan Kardec já fez um trabalho exímio e inatacável nas obras O Céu e o Inferno e A Gênese. Recomendamos ao leitor o estudo, de preferência baseado nas edições da FEAL. Também recomendamos ao leitor que nunca estudou o Espiritismo, e que sobre tal doutrina tem apenas ideias inexatas, que leia o livreto “O Espiritismo em sua mais simples expressão”, disponível para download no botão abaixo.

Vamos falar sobre a impossibilidade da interferência de Deus, Jesus ou qualquer ser superior em nossas escolhas, perguntando: como um aprendizado qualquer realmente se estabelece em nós mesmos? Pela imposição, ou pelo exercício da razão? É claro que a resposta só pode ser a última, pois, do contrário, a própria vida não teria sentido, e toda a lógica materialista estaria em razão.

Imaginemos a situação de um pai e seu filho. O primeiro, é o melhor pai que possamos supor: centrado, afável, sensato, fraterno, mas enérgico, além de inteligente e muito sábio. O segundo, é um filho rebelde, de “gênio forte”, como alguns diriam. Apesar de todo o esforço de seu pai, esse filho insiste por tomar decisões contrárias às suas recomendações, sempre ignorando seus ponderados alertas. Certa feita, diz o filho ao seu pai: “vou para uma festa com os filhos da dona Maria”, ao que o pai responde: “filho, cuidado. Eles, infelizmente, não escutam à razão. Estão sempre envolvidos com más pessoas, com drogas e eu soube que, recentemente, se envolveram até em alguns casos de roubos”. O filho responde: “Besteira, pai. Tô indo!”.

Esse pai teria duas escolhas: a primeira, seria usar de sua força física e moral para impedir fisicamente seu filho de deixar o lar em tão más companhias; a outra, seria adverti-lo sempre, mas deixando à sua escolha, livre e autônoma, o que fazer. Foi sempre essa segunda escolha que decidiu tomar, desde a infância de seu filho. Acredita que é apenas pelas próprias escolhas e pelos seus resultados, e não pela imposição, que o filho realmente aprenderá aquilo que ainda não consegue aprender pela razão e pela intuição.

O filho sai e, horas depois, o pai recebe uma ligação: é da polícia. Estão dizendo que o filho se envolveu em um caso de assalto a mão armada e, embora não tenha sido ele a sacar a arma, foi preso por colaborar com o grupo, tomando a bolsa e o colar de uma senhora, fato apontado pelos dois filhos da dona Maria, que queriam ver suas penas diminuídas. A tristeza abate esse pai, que, contudo, não se torna infeliz: “fiz tudo o que pude fazer”, tem ele em sua consciência. Condenado após julgamento, passa, seu filho, os próximos oito anos de sua vida atrás das grades, enquanto ele o visita, semanalmente, aconselhando-o e estimulando-o moralmente. Os outros dois encontram-se no mesmo presídio e, antes companheiros da vagabundagem, agora o submetem a atos vexatórios. O filho se diz arrependido, mas se é apenas remorso, pelo castigo recebido, ou se é arrependimento moral pelos atos praticados, somente o tempo dirá.

Essa pequena alegoria demonstra que Deus, incomparável a esse pai, cujas moral e forma de agir não se podem criticar em um só ponto, não poderia agir de forma diferente, nos deixando sempre o livre-arbítrio e a escolha como ferramentas fundamentais de nossa evolução. E isso, transposto ao nível social, explica tudo o que nos atinge por esses meios. Deus nos dá a matéria como ferramenta do Espírito, mas nos garante a livre vontade, sempre. É claro que não nos abandona – pelo contrário: através da sua própria criação, que é solidária, somos constantemente influenciados pelos Espíritos mais avançados que nós mesmos, que, contudo, não interpõem obstáculos quanto às nossas escolhas:

“Para elevar-se, deve o homem ser provado. Impedir sua ação e pôr um entrave em seu livre-arbítrio seria ir contra Deus e neste caso as provas tornar-se-iam inúteis, porque os Espíritos não cometeriam faltas. O Espírito foi criado simples e ignorante. Para chegar às esferas felizes, é necessário que ele progrida e que se eleve em conhecimento e sabedoria, e é somente na adversidade que ele adquire um coração elevado e melhor compreende a grandeza de Deus.”

Citação de São Luis na Revista Espírita de Novembro de 1858

Vejamos: foi o próprio povo – que é uma massa de indivíduos, cada um com suas escolhas – que elegeu e glorificou a Hitler, que, inflamando um orgulho materialista, levou a nação àquele estado de barbárie. Foi, aliás, o povo que, inflamado contra as verdades que feriam seu orgulho ou seduzidos pelo ouro, escolheu soltar Barrabás, condenando Jesus ao martírio. E, disso, o que se seguiu, senão muito aprendizado, em meio a condições absolutamente adversas?

Mas, como explicar, dentro dessa dinâmica, o sofrimento daqueles que não se enquadram nas más escolhas? Falamos daqueles que, por vontade própria e por um estado diferente de progresso espiritual, fazem escolhas melhores, mais ligadas à moral da lei divina.

Ora, da mesma forma que sofreu aquele pai, limitando sua vida em muitos aspectos, para estar junto de seu filho, fazendo-lhe o bem de buscar auxiliar a exercitar sua razão; da mesma forma que sofreram os apóstolos de Jesus que, longe de se atirarem às armas, atiraram-se ao bem, através da propagação das ideias do Cristo. São provas, oriundas da lei natural. Não são imposições arbitrárias de um Deus colérico, com uma finalidade de cobrança de débitos, mas apenas decorrências da lei divina, que impõe efeitos que, de uma forma ou de outra, trazem aprendizado ao Espírito. A lei natural impõe que, uma camada da crosta terrestre, sob pressão do manto, poderá sofrer rachadura, provocando terremotos ou a explosão de vulcões, cujos efeitos inevitavelmente trarão dificuldades. Essa mesmo lei impõe que nossas escolhas produzirão efeitos, que, é evidente, não são decorrência de um sistema de pecado e castigo, “olho por olho, dente por dente” ou “carma”.

Veja: o pai não escolheu que o filho tomasse aquelas decisões, tanto quanto os judeus não escolheram que Hitler fosse eleito. Uma pessoa, assassinada por um criminoso, não escolheu ser assassinada: foi o criminoso que escolheu praticar o crime, sem refletir. Por estarmos encarnados, estamos sujeitos às escolhas dos outros, e isso não é uma penitência imposta por Deus: pelo contrário, é um reflexo da lei natural, que nos traz, repito uma vez mais, aprendizado, útil ao nosso progresso. Ora, quantos judeus, encarcerados e tratados como animais, não viram suas almas elevarem-se pelo exercício da fraternidade e da fé, enquanto lidaram com tantas e sofridas adversidades? Um exemplo: Anne Frank, que viveu por dois anos trancada em um sótão, com sua família, sem poder fazer um só barulho, foi do estado de ódio de sua mãe ao estado de piedade fraternal, e provavelmente aprendeu muito com isso. O Espírito da pessoa assassinada por um criminoso poderá aprender muito com isso, ou poderá se apegar ao fato, o que poderá lhe causar sofrimento. De uma forma ou de outra, aprenderá, afinal, bem o sabemos, o fim de uma vida na matéria não representa o fim do progresso do Espírito.

Para o Espírito liberto, o sofrimento da carne não é nada mais que um detalhe passageiro, do qual se livra com felicidade, quando cumprido no tempo de Deus, e com empenho no aprendizado, ou ao qual se estreita ainda mais, quando cumprido com rebeldia ou terminado antes do tempo, pelo ato lastimável de dar fim à própria vida – e isso, mais uma vez, não por um ato de castigo divino, mas pela própria condição de ligação à matéria em que esse Espírito se coloca.

Deus, afinal, não nos abandonou, e não tem nenhum sofrimento material ou uma só injustiça que demonstre que ele não está, em verdade, “no comando”. Basta que nos desliguemos da falsa ideia de que ele interfere em nossas escolhas, individuais e em coletivo, bem como da ideia de que o indivíduo que age no mal estaria sendo guiado por uma potência contrária a Deus. Não: tudo decorre de escolhas, relativas ao estado moral e intelectual de cada um. O mal que nasce dessas escolhas não existe por si só, pois o indivíduo está apenas escolhendo com vistas a satisfazer suas próprias vontades e inclinações, o que, na raiz do problema, se liga ao egoísmo e ao orgulho. Diria Kardec, na Revista Espírita de agosto de 1863:

Então, por que o mal e como explicá-lo? O mal não vem de uma queda primitiva que teria mudado todas as condições da vida humana. Ele tem por causa o descumprimento da lei de Deus e a desobediência do homem, usando mal o livre-arbítrio.

Essas raízes, muito profundas, não são destruídas a golpes de machado: precisam ser lentamente desenterradas por um esforço contínuo, no qual a educação e a fraternidade têm papel fundamental.

Deus, longe de se ver diminuído por isso, se exalta em todos os seus atributos, pois nos confere a autonomia, o progresso pelo próprio esforço e a oportunidade do aprendizado e do ensino: quem está um pouco acima, ensina quem está um pouco abaixo, em todos os infinitos patamares da evolução.

Assim, tudo se liga, tudo se encadeia no Universo. Tudo está submetido à grande e harmoniosa lei de unidade, desde a materialidade mais compacta até a espiritualidade mais pura. A Terra é como uma vasilha de onde escapa uma fumaça espessa, que se rarefaz à medida que se eleva, e cujas parcelas rarefeitas se perdem no espaço infinito.

O poder divino brilha em todas as partes desse conjunto grandioso e, no entanto, queriam, para comprovar melhor o poder se Deus, que ele, não contente com isso, viesse turbar essa harmonia! Que se rebaixasse ao papel de mágico de efeitos pueris, dignos de um prestidigitador! E ousam, por acréscimo, dar-lhe por rival em habilidade o próprio Satã! Jamais se rebaixou tanto a majestade divina, e se surpreendem com o progresso da incredulidade!

Há razão em dizer: “A fé se foi!” Mas é a fé em tudo o que choca o bom senso e a razão; a fé semelhante à que, em tempos passados, levou a que dissessem: “Os deuses se vão!” Mas a fé nas coisas sérias, a fé em Deus e na imortalidade está sempre viva no coração do homem e foi sufocada pelas histórias tolas, com as quais oprimiram. Ela se ergue mais forte, desde que seja libertada, como a planta num lugar sombrio se recupera quando volta a receber os raios do Sol!

KARDEC, Allan. A Gênese, 1868. Editora FEAL.

Quanto à questão “Deus existe?”, responderemos que basta olhar para tudo o que dissemos, com um olhar elevado acima da matéria, e a constatação não pode ser outra. Contudo, se sua razão ainda se debate com as coisas que aprendeu, dê uma chance às obras anteriormente citadas, e estude-as. Muito provavelmente encontrará, ali, uma racionalidade tão clara, brilhante, que encontrará as respostas que tanto busca.

Uma última observação: dissemos, no início, que, ante ao fato, visto como negativo, muitos esmorecem. De nossa estreita visão terrena, tudo é negativo, tudo é péssimo, tudo é retrocesso. Olhemos, contudo, para o passado: quantos avanços, em todos os campos da humanidade, foram colhidos das adversidades? Quanto aprendizado? Isso quer dizer que, embora Deus não interfira de forma arbitrária, sua Lei é perfeita, e tudo conflui para um só ponto: o progresso, que é irresistível.

Otimismo, portanto. Sigamos estudando e fazendo a nossa parte. Nenhum indivíduo, nem muito menos o mundo, será mudado por imposição ou violência – e eis aqui a derrocada de muitos sistemas e ideologias materialistas, que continuam seduzindo muitos incautos – mas apenas pela vontade autônoma e consciente de cada indivíduo. Avante: o trabalho é grande, começa por nós mesmos e se espalha na fraternidade ao próximo. Deixo, aqui, uma sugestão de ótimos estudos.

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