O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos

Neste estudo em grupo, tratamos do artigo em questão de uma forma um tanto diferente, pois notamos que ele nos dava ensejo a um aprofundamento bastante importante a respeito da mediunidade e das diferenças existentes entre como ela era tratada no Espiritismo, como doutrina científica nascida da observação racional dos fatos e das comunicações espíritas (espirituais) e como ela é tratada hoje. Assim, abordamos os seguintes tópicos principais:

  • Qual é a influência do médium na comunicação?
  • Animismo e o medo de ser médium
  • Podemos e devemos julgar as comunicações mediúnicas? De que forma?
  • Mitos: não podemos evocar Espíritos; evocar Espíritos provoca obsessões
  • Lições aprendidas: a distância entre o “movimento espírita” atual e o Espiritismo original; a necessidade da retomada dos estudos

Baseado no artigo “Espíritos impostores — o falso Padre Ambrósio” — Revista Espírita de julho de 1858

Esperamos que, tanto o vídeo de nosso debate, quanto esta leitura, sejam de grande proveito para você!

Os escolhos da mediunidade

Reconhecemos: estudar Kardec por conta própria, nem sempre é fácil. É uma linguagem difícil e, muitas vezes, repleta de referências a neologismos e ao contexto no qual o professor Rivail estava inserido, de forma que se faz muito oportuna tal contextualização¹, em primeiro plano, quanto o emprego de pesquisas na web, durante a leitura.

“Escolho” significa, no sentido figurado, uma dificuldade. E Kardec abre o referido artigo falando sobre tais dificuldades:

Um dos escolhos apresentados pelas comunicações espíritas é o dos Espíritos impostores, que podem induzir em erro quanto a sua identidade e que, ao abrigo de um nome respeitável, tentam passar os mais grosseiros absurdos. Em muitas ocasiões esse perigo nos tem sido explicado. Entretanto, ele nada é para quem perscruta tanto a forma quanto o conteúdo da linguagem dos seres invisíveis com os quais entra em comunicação. […] Nada é mais fácil do que se premunir contra fraudes semelhantes, por menor que seja nossa boa vontade.

Kardec parece tornar bastante simples, banal mesmo, essa tarefa de identificar a comunicação de um Espírito impostor, não? Mas por que, então, hoje em dia, tantos absurdos tem sido aceitos, via comunicações mediúnicas, como se fossem a legítima expressão de um Espírito sério e honesto, conhecedor das verdades absolutas?

Acontece que o “movimento espírita” (eu chamo de movimento a fim de distinguir o Espiritismo daquilo que fazem os seus adeptos, nem sempre bem informados e conhecedores da Doutrina) anda bastante esquecido dos postulados mais básicos da Doutrina dos Espíritos. Ora, logo no início da segunda parte de O Livro dos Espíritos, nos itens 100 a 113, Kardec nos apresenta, didaticamente, uma escala geral, nomeada por ele “Escala Espírita“, onde, agrupando de uma forma mais ou menos geral, o caríssimo professor nos demonstra as características gerais dos Espíritos em suas diferentes escalas evolutivas, agrupando-os em três ordens principais: Espíritos Imperfeitos (terceira ordem), Espíritos Bons (segunda ordem) e Espíritos Puros (primeira ordem).

Constatado é, até mesmo pela observação lógica de nossa condição evolutiva, que nós nos colocamos em contato principalmente os os Espíritos das duas últimas ordens, especialmente com os da terceira, com os quais mais facilmente nos afinizamos mentalmente. Também é fato conhecido que os Espíritos se diferem de nós, encarnados, apenas por não terem a constrição do corpo físico e, pela ausência deste, terem o pensamento mais liberto, em geral, do abafamento do cérebro físico. Portanto, assim como nós, eles não mudam de opinião ou de conhecimentos simplesmente por deixarem a matéria por meio da desencarnação e, assim como nós, podem falar do que sabem, do que acreditam que sabem ou, então, podem procurar enganar, por maldade ostensiva ou por orgulho em querer dizer do que reconhecidamente não sabem.

Nós já reproduzimos a Escala Espírita em um artigo anterior, mas vamos destacar alguns detalhes importantes dessa terceira ordem de Espíritos, que é onde se concentram os problemas nas comunicações mediúnicas.

Como se comunicam os Espíritos da terceira ordem – Espíritos Imperfeitos

Décima Classe – Espíritos Impuros

São inclinados ao mal, com o que se preocupam. Dão conselhos traiçoeiros, desleais, sopram a discórdia e a desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar.

Na linguagem, são triviais, grosseiros, apresentam baixeza de inclinações e não conseguem enganar por muito tempo com uma falsa sensatez.

Nona Classe – Espíritos Levianos

São ignorantes, malévolos, inconsequentes e zombeteiros. Metem-se em tudo, respondem a tudo, sem se preocupar com a verdade. Gostam de causar pequenos aborrecimentos e pequenas alegrias; de produzir discórdias; de induzir maliciosamente ao erro por mistificações e por travessuras.

Suas comunicações são quase sempre espirituosas e alegres, mas quase sempre sem profundidade.

Oitava Classe – Espíritos pseudossábios

Dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém, creem saber mais do que realmente sabem.

É uma mistura de algumas verdades com os erros mais absurdos, através dos quais penetram a presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de que ainda não puderam despir-se.

Ora, temos, aqui, um conhecimento de base já bastante importante a respeito da forma como se expressam esses Espíritos, não? E é claro que, como bons espíritas, não pararemos aqui e buscaremos estudar O Livro dos Espíritos e as demais obras, a fim de adquirir ainda mais conhecimentos que possam auxiliar no nosso contato com os Espíritos. Afinal, não é à toa que Kardec, na introdução de O Livro dos Médiuns, começa assim:

Todos os dias a experiência nos traz a confirmação de que as dificuldades e os desenganos, com que muitos topam na prática do Espiritismo, se originam da ignorância dos princípios desta ciência, e feliz nos sentimos de haver podido comprovar que o nosso trabalho, feito com o objetivo de precaver os adeptos contra os escolhos de um noviciado, produziu frutos e que à leitura desta obra devem muitos o terem logrado evitá-los.

Natural é, entre os que se ocupam com o Espiritismo, o desejo de poderem pôr-se em comunicação com os Espíritos. Esta obra se destina a lhes achanar o caminho, levando-os a tirar proveito dos nossos longos e laboriosos estudos, porquanto muito falsa ideia formaria aquele que pensasse bastar, para se considerar perito nesta matéria, saber colocar os dedos sobre uma mesa, a fim de fazê-la mover-se, ou segurar um lápis, a fim de escrever.

Uma coisa é certa: Kardec não tinha tempo a perder com palavras vazias destinadas a enfeitar um orgulho ou uma vaidade que, conforme ficou muito bem demonstrado, ele não as tinha. Portanto, temos nós é que deixar o orgulho de lado e nos dedicar a estudar, ao invés de ficarmos achando que sabemos de tudo simplesmente por termos qualquer contato prático com os Espíritos! Dessa forma, fica muito mais fácil julgar uma comunicação espiritual ou tentar penetrar a real face do Espírito que se comunica – e Kardec, nesse mesmo artigo (do falso Pe. Ambrósio) vai dar uma lição simples e clara de como fazê-lo. Trataremos disso mais à frente.

Como lidar com Espíritos mistificadores?

Mistificar significa enganar, ludibriar. E vamos destacar duas perguntas feitas por Kardec, diretamente ao Espírito mistificador (o do falso Pe. Ambrósio, que ele havia evocado) que trazem questões importantes, tratadas a seguir.

“14. ─ Que pensas do que disseste em seu nome?

Penso como pensavam os que me escutavam.”

A questão aqui é: quem os escutava? O médium estaria o escutando, necessariamente? Em outras palavras: seria culpa daquele médium aquela falsa comunicação?

“16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença?

Porque minha linguagem é uma pedra de toque [material utilizado para avaliar a pureza de um material], com a qual não vos podeis enganar.”

Por que naquele meio (o de Kardec) aquele Espírito afirma que não conseguiria enganar?

Mas, para responder a essas perguntas, vamos avançar em nossas reflexões, o que deixará muito claras as respostas.

Animismo

Pensamos ser importante levantar, aqui, a questão do animismo, já que é algo que persegue e tira o sono de muitos médiuns e dirigentes de grupos espíritas. O animismo é o conceito no qual o médium apresenta conteúdos próprios, de seus próprios pensamentos, ao invés de apresentar puramente o pensamento do Espírito que se comunica.

É algo que, realmente, acontece muito, sendo motivo de muitos medos, como dissemos, pois criou-se a hipótese de que o médium precisa ser uma ferramenta totalmente passiva para a comunicação espiritual. Isso não deixa de ser uma verdade, quando falamos na comunicação de um Espírito através de um médium. Contudo, não deve ser transformada em ferramenta de perseguição ou autoperseguição. A importância da questão, aqui, está ligada à honestidade do médium:

  • Quando o médium age de forma totalmente honesta, buscando ser uma boa ferramenta para os Espíritos, despido de vaidade e de orgulho, sua mediunidade poderá ser desenvolvida mediante à prática e favorecida pelo estudo. Assim, em mais ou menos tempo, as comunicações dadas através dele serão cada vez mais “limpas”, expressando o pensamento original do Espírito. Não deve, portanto, o animismo, nesse caso, ser algo a se temer, pois está relacionado ao grau do desenvolvimento da mediunidade, considerando que, nos primeiros estágios, o médium comumente completará pensamentos ou os traduzirá segundo ideias próprias, que não necessariamente são contrárias às do Espírito.

  • Quando o médium age conscientemente (sob o olhar da lucidez material) expressando ideias que não são de um Espírito, isto é, quando ele não está agindo como médium, mas apenas por si próprio, em estado de vigília, mas tenta enganar, como se fosse uma comunicação mediúnica, expressando os mais terríveis disparates, este sim é um caso grave, um problema diretamente ligado à moral do médium, que precisa ser tratado com fraternidade mas com firmeza, a fim de que esse médium não ponha a harmonia do grupo em cheque. Quando age de forma isolada, nesse caso, é preciso que apenas não seja levado de forma séria, como, infelizmente, muitos espíritas tem feito.

O médium honesto deve aprender que, sempre que estiver desconcentrado ou que não se comunique nenhum Espírito, deve informar ao grupo, sem nenhum medo de ser atingido em um amor-próprio que, nesse caso em especial, jamais deveria existir. Infelizmente, os centros espíritas atuais, com as reuniões mediúnicas abertas ao público, fizeram cair sobre os ombros dos médiuns uma responsabilidade deletéria de ter que estar sempre pronto e à disposição para os fenômenos mediúnicos, o que não é lógico, já que, sendo a mediunidade uma capacidade radicada no organismo, como uma sexto sentido, também pode apresentar entraves diversos, assim como um resfriado pode tirar nossa capacidade olfativa.

Mas há um terceiro aspecto a se considerar: às vezes o animismo pode ser bem-vindo, conforme fica expresso na seguinte questão de O.L.M. (O Livro dos Médiuns):

223 – 2.ª. As comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio Espírito encarnado no médium?

“A alma do médium pode comunicar-se, como a de qualquer outro. Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de Espírito.[…] Porque, ficai sabendo, entre os Espíritos que evocais, alguns há que estão encarnados na Terra. Eles, então, vos falam como Espíritos e não como homens. Por que não se havia de dar o mesmo com o médium?”

De tal forma, se o Espírito do próprio médium pode comunicar-se – o que acontece mais facilmente nos estados de sonambulismo e de êxtase, conforme a resposta à pergunta 223-3a deixa claro – é claro que poderá também trazer conhecimentos válidos e importantes, da mesma forma que faria um Espírito liberto da matéria.

Creio que o assunto do animismo está relativamente bem entendido pelo que foi exposto. Mas e a respeito do medo que médium pode ter de transmitir uma comunicação de baixo teor, isto é, uma comunicação frívola, de linguajar indecente ou enganosa? Cremos que a abordagem seguinte responderá bem a esse respeito.

Influência moral do médium

Levantada a questão do medo que o médium pode ter de dar lugar a uma comunicação de teor menos elevado, precisamos refletir a respeito do papel do médium nesse sentido. Kardec aborda, claro, esse questionamento em OLM, buscando identificar a ligação da moral do médium com a capacidade mediúnica. Vejamos:

226. 1.ª. O desenvolvimento da mediunidade guarda relação com o desenvolvimento moral dos médiuns?

“Não; a faculdade propriamente dita se radica no organismo; independe do moral. O mesmo não se dá, porém, com o seu uso, que pode ser bom, ou mau, conforme as qualidades do médium.”

5.ª. Nas lições ditadas, de modo geral, ao médium, sem aplicação pessoal, não figura ele como instrumento passivo, para instrução de outrem?
“Muitas vezes, os avisos e conselhos não lhe são dirigidos pessoalmente, mas a outros a quem não nos podemos dirigir, senão por intermédio dele, que, entretanto, deve tomar a parte que lhe caiba em tais avisos e conselhos, se não o cega o amor-próprio.

A questão primeira reforça o que dissemos a respeito de a faculdade mediúnica estar radicada no organismo, o que significa que tanto o bom quanto o mau podem ser médiuns de maior ou menor capacidade. Contudo – e aí está o principal objetivo da faculdade mediúnica – o bom ou o mau uso que fazemos dela é que dará os rumos de nossa moral e da vontade de utiliza-la para o progresso próprio, a serviço da humanidade, ou não.

A questão quinta diz assim: o médium, por mais que seja intrumento passivo, precisa estar sempre atento para as comunicações que intermedia, pois, por mais que sejam direcionadas a outrem, podem ter aplicação pessoal – o que reforça o pensamento anterior.

226. 6.ª. Visto que as qualidades morais do médium afastam os Espíritos imperfeitos, como é que um médium dotado de boas qualidades transmite respostas falsas, ou grosseiras?

“Conheces, porventura, todos os escaninhos da alma humana? Demais, pode a criatura ser leviana e frívola, sem que seja viciosa. Também isso se dá, porque, às vezes, ele necessita de uma lição, a fim de manter-se em guarda.”

A questão sexta aponta que, muitas vezes, uma comunicação de baixo teor pode se dar pela simpatia dos médiuns com Espíritos que pensem como ele ou que tenham as mesmas inclinações, mesmo que isso não seja visível no médium, no dia-a-dia. Também podem se dar porque ele, às vezes, precisa de uma lição para se manter em guarda, ou então, supomos, para que o grupo de estudos se mantenha em guarda, pois supomos que um bom médium ainda assim possa intermediar uma comunicação desse teor a fim de colocar à prova a atenção daquele grupo.

Tudo isso, porém, é muito válido se o grupo ou o indivíduo estão atentos e se tratam com seriedade e honestidade das comunicações. Caso contrário, tais comunicações, que acontecerão com mais frequência, levarão à queda de um ou de outro.

226. 8.ª. Será absolutamente impossível se obtenham boas comunicações por um médium imperfeito?

“Um médium imperfeito pode algumas vezes obter boas coisas, porque, se dispõe de uma bela faculdade, não é raro que os bons Espíritos se sirvam dele, à falta de outro, em circunstâncias especiais; porém, isso só acontece momentaneamente, porquanto, desde que os Espíritos encontrem um que mais lhes convenha, dão preferência a este.”

Os Espíritos se comunicam no meio simpático a eles, de preferência.

Nota. Deve-se observar que, quando os bons Espíritos veem que um médium deixa de ser bem assistido e se torna, pelas suas imperfeições, presa dos Espíritos enganadores, quase sempre fazem surgir circunstâncias que lhes desvendam os defeitos e o afastam das pessoas sérias e bem-intencionadas, cuja boa-fé poderia ser laqueada. Neste caso, quaisquer que sejam as faculdades que possua, seu afastamento não é de causar saudades.

Um médium de moral complicada mas de boas capacidades mediúnicas pode ser utlizado por bons Espíritos em situações específicas, como quando não há outro ou quando os Espíritos julgam que produzirão um bem ou que poderão evitar um mal ao fazê-lo. Fora disso, se afastam.

A nota de Kardec diz tudo: se um médium, por suas inclinações, deixa de ser bem assistido (por bons Espíritos) e se torna presa de Espíritos inferiores, é, pelos próprios bons Espíritos, afastado das pessoas sérias e bem intencionadas.

Conclusões sobre a influência moral do médium

  • Um médium de boa moral pode ser alvo de um Espírito mistificador. Isso pode se dar como um alerta, como no caso que Kardec vai abordar.
  • Um médium de moral “questionável” pode ser utilizado, se tiver uma mediunidade poderosa, por um Espírito elevado. Contudo, muito mais frequentemente será alvo de Espíritos inferiores, que acabarão por fazê-lo tombar, sobretudo quando utiliza da própria mediunidade para fins “questionáveis”.

O Falso Padre Ambrósio

Kardec, com a finalidade de estudar o problema, aborda o caso ocorrido na Spiritualiste de la Nouvelle-Orléans (clique aqui para baixar o original, em Francês), onde dois Espíritos engandores haviam se fazido passar pelo Padre Ambrósio e por Clemente XIV, tecendo um diálogo por demais frívolo e vazio.

Kardec faz, então, a evocação dos três Espíritos: O verdadeiro Padre Ambrósio, o falso Pe. Ambrósio e o falso Clemente XIV, mas, antes, declara:

Apressemo-nos, entretanto, em declarar que esse círculo não recebe apenas comunicações de tal ordem; há outras de caráter muito diverso, nas quais encontramos toda a sublimidade do pensamento e da expressão dos Espíritos superiores.

Como é possível verificar na revista original e também na tradução livre feita pela nossa colaboradora, Ariane, na segunda parte (terceira página do documento), as comunicações do verdadeiro Pe. Ambrósio são de cunho bastante mais elevado e profundo.

A conversa de Kardec com os Espíritos e nossas reflexões

Ao Espírito do verdadeiro Pe. Ambrósio:

5. ─ Como pudestes permitir coisas semelhantes em vosso nome? Por que não viestes desmascarar os impostores?

─ Porque nem sempre posso impedir que homens e Espíritos se divirtam.

6. ─ Compreendemo-lo quanto aos Espíritos. Mas, quanto às pessoas que recolheram as palavras, são gente séria; não buscavam divertimentos.

─ Uma razão a mais. Eles deviam pensar logo que tais palavras não poderiam deixar de ser a linguagem de Espíritos zombeteiros.

Nem sempre os bons Espíritos podem impedir tais situações, pois, acima de tudo, respeitam o livre-arbítrio dos demais. Além disso, podem permitir tais situações a fim de que sirva de alerta para o grupo ou indivíduo.

7. ─ Por que os Espíritos não ensinam em Nova Orleans, princípios perfeitamente idênticos aos que aqui ensinam?

─ Em breve lhes servirá a doutrina que vos é ditada. Haverá apenas uma.

8. ─ Desde que essa doutrina deverá ser ali ensinada mais tarde, parece-nos que se o fosse imediatamente aceleraria o progresso e evitaria que alguns tivessem dúvidas prejudiciais.

─ Os desígnios de Deus são sempre impenetráveis. Não há outras coisas que, à vista dos meios que ele emprega para atingir seus objetivos, parecem-vos incompreensíveis? É preciso que o homem se habitue a distinguir o verdadeiro do falso. Nem todos poderiam receber a luz de um jacto sem serem ofuscados.

O Espírito do verdadeiro Pe. Ambrósio deixa claro: a Doutrina Espírita encontrou, na França e no contexto Kardec, a base necessária para se fazer luzir com toda a força, sem ofuscar, já que as ciências estavam muito bem preparadas para receber seus ensinamentos, tratando-os racionalmente e com método científico.

Uma grande lição de Kardec

Falávamos, antes, sobre a necessidade de buscar distinguir as comunicações dos Espíritos, identificando se são honestas ou produtos de enganações e se são de Espíritos mais ou menos sábios (lembrando que uma comunicação pode ser séria e honesta, mas, ainda assim, de pouca ou nenhuma sabedoria). Vejamos, então, as seguintes perguntas e respostas trocadas entre Kardec e o verdadeiro Pe. Ambrósio:

 9. ─ Teríeis a bondade de nos dar vossa opinião pessoal relativamente à reencarnação?  

Os Espíritos são criados ignorantes e imperfeitos. Uma única encarnação não bastaria para que tudo aprendessem. É necessário que reencarnem, a fim de gozarem a felicidade que Deus lhes reserva.  

10. Dá-se a reencarnação na Terra ou somente em outros globos?  

A reencarnação se dá conforme o progresso do Espírito, em mundos mais perfeitos ou menos perfeitos.  

11. Isto não esclarece se pode ocorrer na Terra.  

Sim, pode ocorrer na Terra, e se o Espírito a pede como missão, ser-lhe-á mais meritório do que se a pedisse para avançar mais rapi­damente em mundos mais perfeitos.

Ora, Kardec estava falando sobre um assunto completamente diferente. De repente, começa a perguntar sobre reencarnação? Por que?

Simples: porque ele estava buscando sondar os conhecimentos daquele Espírito, a fim de saber se estava realmente falando com um Espírito sábio ou se falava com um Espírito enganador. Brilhante, não? É assim que deveríamos proceder, ainda hoje e sempre, mas, para isso, é preciso que estejamos atentos, que tenhamos conhecimentos e que saiamos da condição de simples espectadores passivos das comunicações espirituais.

Kardec continua, perguntando, agora, ao falso Pe. Ambrósio:

15. ─ Por que te serviste de um nome respeitável para dizer semelhantes tolices?

Aos nossos olhos os nomes nada valem. As obras são tudo. Como pelo que eu dizia, podiam ver o que eu era realmente, não liguei importância à substituição do nome.

Veja só: o Espírito enganador sabe que os “ouvintes” (sabemos que era através da psicografia a comunicação) poderiam julgar quem ele realmente era, através do que expressava. Portanto, não ligou qualquer importância por utilizar o nome do Pe. Ambrósio.

Lições aprendidas

Vivemos um Espiritismo muito distanciado do Espiritismo “de Kardec” (entre aspas, pois sabemos que o Espiritismo não pertence a ele nem saiu de sua cabeça). E isso não é bom, porque o Espiritismo “de Kardec” é aquela doutrina científica, nascida com base na observação racional dos fenômenos espíritas e na concordância universal do ensinamento dos Espíritos.

Hoje, no meio Espírita, por um lado se persegue o médium pelo “animismo”; por outro, tratam-se muitos médiuns como oráculos, como se suas opiniões — porque qualquer pensamento individual, frente à Doutrina, que não tenha passado pelo crivo da razão e da concordância universal, só pode ser tomado como opinião — de si mesmos ou dos Espíritos que se comunicam, pudessem ser tomadas como a suma expressão da verdade e da sabedoria. Acabamos de ver o quão falsa e perigosa é essa premissa.

Não devemos evocar os Espíritos?

Além disso, criaram-se vários mitos, como o que diz que não devemos evocar os Espíritos (o que só é válido em caso de falta de bons propósitos, o que constituiria, nas palavras de Kardec, uma verdadeira profanação) e como o que diz que as evocações podem resultar em obsessões espirituais. Ora, os Espíritos estão ao nosso redor o tempo todo, e se aproximam de nós segundo suas afinidades com o que somos e pensamos, nas profundidades de nossa alma. Para nos obsediar, basta que queiram se utilizar de nossa ausência de vontade e da nossa permissão e, para isso, não necessitam se comunicar conosco por via mediúnica.

Compete destacar que, se um médium ou grupo mediúnico se torna alvo de obsessão espiritual, é porque ali há um problema moral, ligado às imperfeições de cada um, sobre as quais precisam vigiar. Kardec e inúmeros outros pesquisadores se serviam de médiuns educados e equilibrados para evocar todo tipo de Espírito, sem que nunca sofressem de obsessões por fazê-lo. Apenas para reforçar: essas evocações tinham um propósito sério e eram feitas por pessoas sérias. Fossem feitas por mera curiosidade vazia ou diversão, estariam relacionadas a um problema moral e, então, temos aí o problema destacado.

Essa questão, da possibilidade e da validade ou não de se evocar os Espíritos, já foi muito bem abordada por Kardec em seu artigo “O Espiritismo sem os Espíritos”, na RE de Janeiro de 1866, sobre o qual tecemos algumas considerações importantes em artigo homônimo (clique aqui para acessá-lo).

Também, na Revista de 1858, no artigo “Obsedados e Subjugados” Kardec aborda a questão dos perigos do Espiritismo de forma mais detalhada. Sugerimos a leitura do artigo surgido de nossos estudos.

O Espiritismo precisa de defesa

Muitos afirmam que o Espiritismo não precisa de defesa e, muito mais, que ele precisa de atualização, pois estaria defasado. Começo dizendo que o Espiritismo precisa de defesa SIM. Afirmações contrárias a isso parecem sair de Espíritos contrários à propagação dessa Doutrina, Espíritos esses que, aliás, jamais leram Kardec, que saia em defesa do Espiritismo sempre que oportuno. Não se trata de uma defesa que ataca as religiões ou as crenças, mas uma defesa que aponte as imprecisões e os erros, frente ao Espiritismo, nas afirmações e nas práticas ditas espíritas.

Há muito eu ouço, no meio espírita, em diversas partes: os tempos são chegados. Por muito tempo pensei que se tratava apenas de um aviso a respeito das dificuldades que atravessamos. Contudo, hoje reflito: analisando friamente, vivemos realmente algo muito diferente do que já vivemos em outras épocas da humanidade? Ou será que os Espíritos estavam informando de que são chegados os tempos de restabelecer o que foi corrompido?

Uma coisa é fato: é tempo de começarmos a reorganizar pensamentos e retomar estudos esquecidos ou perdidos durante muito tempo. Alguns pesquisadores tem trazido informações muito importantes, com base em documentos e obras originais, até então desconhecidas, nos permitindo conhecer não apenas o Espiritismo em sua essência, mas também as ciências que lhe deram lugar ou que, junto a ele, formam um conjunto indissociável.

Paulo Henrique de Figueiredo, na obra Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, nos traz informações a respeito do Espiritualismo Racional. Este formava as Ciências Morais da época e que deram base ao Espiritismo, sendo este, segundo pensamento do próprio professor Rivail, um desenvolvimento do primeiro; na obra Mesmer: a ciência negada do magnetismo, traz informações importantíssimas a respeito do Magnetismo, ciência essa tantas vezes citadas não só por Kardec, mas pelos próprios Espíritos. Por ser o magnetismo uma Ciência muito bem estabelecida em seu tempo, jamais teve explicações aprofundadas por Kardec, que não poderia imaginar que ela seria extinta nas décadas seguintes; e Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec, nos dá informações relativas não apenas a uma suposta adulteração de A Gênese, assunto esse ainda cheio de discussões controversas, atualmente, mas também dá informações importantíssimas a respeito do completo desvio que a Sociedade Espírita Parisiense, depois transformada em Sociedade Anônima e conduzida por Pierre Gaetan Leymarie, sofreu nas mãos deste senhor.

Com base nesses estudos e nos estudos de Kardec, os Espíritas honestamente interessados em ver o retorno de um trabalho sério de pesquisa, junto aos Espíritos, nos moldes de Kardec, precisam fazer a sua parte em defender a Doutrina, divulgando sem acusar e, sobretudo, instigando os grupos mediúnicos a voltar a registrar as comunicações com os Espíritos, aprofundando-se nelas e saindo da mera condição de espectadores pacientes, vivendo sob a mal compreendida frase, que se tornou lema, “o telefone toca de lá pra cá”, para voltar a realizar evocações sérias e que produzam material importante que, um dia, poderá ser analisado de forma independente, novamente (leia este sucinto artigo a respeito dessa reflexão).

Conclusão

Infelizmente, o movimento espírita está bastante distanciado de Kardec e do Espiritismo em sua real face. Passou-se a aceitar os mais diversos despautérios, alegadamente transmitidos por fontes mediúnicas, algumas bastante conhecidas, o que tem causado muito dano não só ao movimento, em si, que está a cada dia mais esvaziado, mas também à imagem do Espiritismo ante à sociedade, que aprendeu, em boa parte, a ver o Espiritismo como aquela opinião que vêm à tona sempre que acontece um desastre qualquer para dizer que, ali, foram vitimados pessoas que estavam resgatando um débito coletivo, sendo, por isso, culpados e merecedores daquele acontecimento. E esse tipo de pensamento é largamente reproduzido acerca das tragédias individuais ou coletivas, causando aversão e distanciamento.

Não bastasse isso, o Espiritismo, desde a morte de Kardec ( em 1869), passou a ser inundado por ideias roustainguistas (de Jean-Baptiste Roustaing), “doutrina” essa que se instalou no meio espírita brasileiro desde antes do início do século XX, inclusive por grande simpatia de Bezerra de Menezes às suas ideias. Embora a FEB, autointitulada “cúpula do Espiritismo no Brasil”, só tenha adotado a obrigação do estudo das obras de Roustaing a partir de 1917 (leia mais aqui), a influência roustainguista (ou rustenistas) já era forte há bastante tempo nesse meio.

Depois, vieram as influências ramatissistas, seguindo o mesmo padrão: ideias de um Espírito claramente pseudossábio (Ramatis), que acredita saber mais do que sabe e que quer se colocar com caraterísticas messiânicas, reescrevendo a verdade e colocando Kardec no lixo, contrariando a Doutrina Espírita e a própria Ciência em inúmeros pontos e, para finalizar, sem citar outros exemplos vários, veio o divinismo, também com o mesmo teor messiânico, dessa vez através de um indivíduo que se autoproclama a reencarnação de Kardec e que também produz os mais diversos tipos de ideias contrárias àquilo que já estava estabelecido pela concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos e pela razão.

Enfim: o Movimento Espírita está esquecido de Kardec, a ponto de quase não haver Espiritismo em muitos pontos, e sim um espiritualismo religioso (no sentido da religião dogmática e cheia de rituais, hierarquias e sacerdotes). Precisamos, repito, fazer a nossa parte, ativamente, mas sem contendas, isto é, buscando os grupos e os indivíduos honestamente interessados nessa tarefa, de modo a auxiliar no trabalho de restabelecimento, pois,

o que é de base, não se supera!




O Espiritismo sem os Espíritos

Hoje, 3 de outubro, é aniversário de nascimento de Allan Kardec – Hypolite Leon Denizard Rivail¹, seu nome de registro – e, por entendermos fundamental seu papel no estudo da Doutrina dos Espíritos, à qual denominou Espiritismo, vamos abordar um assunto importantíssimo, que, para quem estuda as obras de Kardec, até pode soar pueril, sem importância: o “Espiritismo sem Espíritos”.

Ora, não será raro aquele que já tenha ouvido as mais diversas afirmações ou que tenha conhecimento do pensamento difundido de que não devemos incomodar os Espíritos, evocando-os. Muitos se baseiam na conhecida frase de Chico Xavier, “o telefone toca de lá pra cá”, imputando a ela um entendimento distorcido e fazendo dela cláusula pétrea no código mediúnico: “não podemos evocá-los. Devemos esperar que eles nos busquem”. Nada mais afastado da verdade e mesmo do propósito do Espiritismo.

Digno de nota, a frase de Chico, pode ser assim interpretada: “podemos evocá-los, mas depende deles, e não de nós, se vão responder ou não”. Outrossim, precisamos lembrar que Chico estava constantemente cercado de milhares de pessoas em busca de uma mensagem de seus entes queridos já falecidos. Chico não podia garantir que poderia atender a todas, sendo levado a dizer, em minhas palavras: “irmãos, eu sou apenas um intermediário e não consigo, sozinho, atender a todos. Por isso, me coloco à disposição deles, permitindo suas comunicações, conforme os bons Espíritos julgarem melhor”.

Essa opinião, contudo, de que não devemos evocar os Espíritos, vêm de muito longe e, aliás, foi muito agradável àqueles que, após Kardec, não desejavam que o método da concordância universal dos ensinos dos Espíritos se mantivesse de pé, posto que colocaria abaixo suas opiniões pessoais. Isso é bem conhecido.

Allan Kardec, na Revista Espírita de Janeiro de 1866, em artigo de título idêntico ao nosso, faz a seguinte observação:

Examinemos agora a questão sob outro ponto de vista. Quem fez o Espiritismo? É uma concepção humana pessoal? Todo mundo sabe o contrário. O Espiritismo é o resultado do ensinamento dos Espíritos, de tal sorte que sem as comunicações dos Espíritos não haveria Espiritismo. Se a Doutrina Espírita fosse uma simples teoria filosófica nascida de um cérebro humano, ela não teria senão o valor de uma opinião pessoal; saída da universalidade do ensino dos Espíritos, tem o valor de uma obra coletiva, e é por isto mesmo que em tão pouco tempo se propagou por toda a Terra, cada um recebendo por si mesmo, ou por suas relações íntimas, instruções idênticas e a prova da realidade das manifestações.

E segue, criticando os inimigos da Doutrina que, por verem na universalidade do ensino dos Espíritos, um grande inimigo às suas ideias próprias:

Pois bem! É em presença deste resultado patente, material, que se tenta erigir em sistema a inutilidade das comunicações dos Espíritos. Convenhamos que se elas não tivessem a popularidade que adquiriram, não as atacariam, e que é a prodigiosa vulgarização dessas ideias que suscita tantos adversários ao Espiritismo. Os que hoje rejeitam as comunicações não parecem essas crianças ingratas que negam e desprezam os seus pais? Não é ingratidão para com os Espíritos, a quem devem o que sabem?

Onde o Movimento Espírita tomou um desvio

Após Kardec, como já sabemos, o Movimento Espírita sofreu enorme desvio, praticamente colocando o mestre lionês e seu método de estudo no esquecimento. Depois disso, chegado ao Brasil, já se encontrava o Movimento bastante alterado em suas bases, esquecido de que o Espiritismo sem os Espíritos é apenas sistema de ideias pessoais, ideias essas que se proliferaram dentre os Espíritas através de mais de um século.

Roustaing, um dos primeiros maiores adversários do Espiritismo, contemporâneo de Kardec, movido por enorme vaidade, através principalmente de Pierre-Gaëtan Leymarie, inseriu seus conteúdos no meio espírita que, se não bastassem serem contrários à Doutrina Espírita em muitos pontos, eram obtidos através de apenas um Espírito – ou seja, nada de universalidade de ensinos. Se houvessem estimulado tal método, veriam tais teorias desmentidas pelos próprios Espíritos, o que não seria interessante à vaidade pessoal do “escolhido”.

Estupefato, descobri, recentemente, que a própria FEB, no início do século XX, defendia as ideias roustainguistas como um complemento a Allan Kardec:

E foi por compreender a sua preponderante utilidade [do Evangelho] que a Federação instituiu o seu estudo nas sessões das terças-feiras, preferindo-o ao Evangelho segundo o Espiritismo [por Allan Kardec], que apenas contém os ensinos morais, Os quatro Evangelhos (Revelação da revelação), ditados a J.-B. Roustaing, por ser completa essa revelação, contendo, não somente o desenvolvimento daqueles ensinos, mas a explicação de todos os atos da vida de Jesus, com uma nova e esclarecedora orientação acerca da natureza e da sua missão messiânica.

(FEB, 1902, p. 1)

Vemos, portanto, desde quando tais ideias danosas se infiltraram no Espiritismo, sobretudo no Brasil, onde diversos médiuns – não questionando seus propósitos e seus valores – passaram a serem tomados como oráculos ou profetas – mais uma vez, nada de universalidade dos ensinos.

Mas será que precisamos disso, hoje?

Muitos, contudo, vão dizer: esse método de Kardec, baseado nas evocações, somente foi útil para o nascimento do Espiritismo. Hoje, não precisamos mais disso, pois já temos muito conteúdo que nos servem de base de ensinamento.

Sim, inquestionavelmente temos, hoje, tanta base de ensinamento moral que, se realmente os compreendêssemos, estaríamos anos-luz à frente em nossa evolução espiritual. Contudo, não se deu o mesmo com os ensinamentos do Cristo que, mesmo assim, nos enviou o Consolador Prometido – a Doutrina dos Espíritos. Por quê? Porque o Espírito avança primeiro em intelectualidade, para apenas depois avançar em moralidade. Como, então, diminuir essa distância? Apenas através da união da fé à ciência. E foi essa a missão de Kardec, tão bem realizada no estudo da Doutrina dos Espíritos.

Ora, não podemos esquecer: o Espiritismo é uma ciência de aspecto moral e filosófico, nascida do estudo e da observação das manifestações espíritas, obtendo, delas, o conhecimento, baseado na universalidade dos ensinamentos dos Espíritos – ou seja, a distribuição dos ensinamentos dos Espíritos por toda a parte, obtendo, desses ensinamentos, a concordância, sob a luz da razão. Chegamos, assim, em uma constatação:

Retirar, do Espiritismo, as evocações, é retirar dele a característica principal: o de uma ciência que, como sempre demonstrou e defendeu Kardec, deveria andar de mãos dadas com a ciência humana.

Então, somos forçados a constatar, também, que as evocações, com finalidade séria, são ainda necessárias e, talvez, sempre serão. Ou será que já sabemos de tudo a respeito das nossas relações com os Espíritos e do mundo dos Espíritos? Ou será que o avanço da ciência humana não trouxe, de um lado, tantas confirmações e, de outro, novas dúvidas, a respeito dessas relações e da nossa natureza espiritual? Ou será que as mistificações não passaram a inundar o Movimento Espírita?

Vamos ver, a respeito da última questão, o pensamento de Cláudio Bueno da Silva no portal O Consolador:

Quando se fala em mistificação, em desvios de rota do movimento espírita, impossível não citar os célebres e traumáticos “ismos”, que causaram tantas controvérsias: o Ubaldismo, de Pietro Ubaldi; o Ramatisismo, de Ramatis; o Roustainguismo, de J. B. Roustaing; o Armondismo, de Edgar Armond; o Divinismo, de Oswaldo Polidoro, e outros “ismos”. Todos eles com uma curiosa característica: em meio a verdades, muitos equívocos destoantes da Revelação Espírita, codificada por Allan Kardec. Embora algumas dessas proposições não tenham surgido propriamente dentro do movimento espírita, nele se infiltraram, deixando resquícios que perduram ainda em muitos centros e federações pelo país.

Mas as investidas das sombras não param. Há algum tempo, muitas casas espíritas foram “invadidas” pela teoria das crianças índigo, versão importada sobre a reencarnação de muitos “anjinhos” inteligentes, cheios de independência e malícia, mas cheios também de rebeldia e agressividade que, segundo a fantasia dos seus “criadores” norte-americanos, têm a missão de renovar (?) a Terra. Muitos espíritas ficaram encantados com a novidade e durante bom tempo não se falou de outra coisa dentro da casa espírita.

CLÁUDIO BUENO DA SILVA – http://www.oconsolador.com.br/ano6/285/claudio_bueno.html

Os próprios Espíritos defendem a nossa comunicação com eles

A leitura e o estudo da obra de Allan Kardec nos demonstra, sem cessar, que os Espíritos vêm de bom grado, sempre que possível, responder às evocações realizadas. Quando Espíritos bondosos ou sábios ficam felizes em transmitir bons ensinamentos; quando Espíritos, ainda inferiores, encontram alívio em exporem suas dificuldades ou em transmitir alguma palavra de conforto aos seus familiares. Outras vezes, conforme permitido, transmitem conselhos importantes, como podemos ver no artigo “Mamãe, aqui estou”, da R.E. de Janeiro de 1858:

Júlia: Mãe, por que te afliges? Sou feliz, muito feliz. Não sofro mais e vejo-te sempre.

A mãe: Mas eu não te vejo! Onde estás?

Júlia: Aqui ao teu lado, com a minha mão sobre a Sra. X (a médium) para que escreva o que te digo. Vê a minha letra (a letra era realmente a da moça).

A mãe: Dizes: minha mão. Então tens corpo?

Júlia: Não tenho mais o corpo que tanto me fez sofrer, mas tenho a sua aparência. Não estás contente porque não sofro mais e porque posso conversar contigo?

A mãe: Se eu te visse, te reconheceria, então?

Júlia: Sim, sem dúvida; e já me viste muitas vezes em teus sonhos.

A mãe: Eu realmente te revi nos meus sonhos, mas pensei que fosse efeito da imaginação, uma lembrança.

Júlia: Não. Sou eu mesma que estou sempre contigo e te procuro consolar; fui eu quem te inspirou a ideia de me evocar. Tenho muitas coisas a te dizer. Desconfia do Sr. Z… Ele não é sincero.

(Esse senhor, conhecido apenas da mãe, citado assim espontaneamente, era uma nova prova de identidade do Espírito que se manifestava.)

A mãe: Que pode fazer contra mim o Sr. Z?

Júlia: Não te posso dizer. Isto me é vedado. Posso apenas te advertir que desconfies dele.

Precisamos, portanto, lembrar que a mediunidade serve justamente para isso: intercâmbio entre os “dois planos”. Se não fosse assim, Deus não nos daria essa capacidade. Sim, é fato que devemos buscar caminhar com nossos próprios pés, sem ceder ao ímpeto de perguntar aos Espíritos sobre tudo. Mas também é fato de que, com seriedade e bom propósito, eles tem muito a nos ajudar, tanto nos assuntos pessoais quanto nos assuntos de importância geral. E isso, aliás, eles fazem constantemente, através da nossa intuição.

Mas, então, se julgamos precisar de comunicações mais claras, que fazer? Viver na dúvida?

Penso que, sobre isso, precisamos pensar com muito cuidado, a fim de realmente não ocuparmos médiuns e Espíritos com algo que nós mesmos podemos entender ou fazer, inclusive galgados nos ensinamentos já existentes no Espiritismo. Deveríamos agir como o estudante que, antes de fazer perguntas tolas, deveria sempre pesquisar o conhecimento já existente, caso contrário poderá ser mesmo repreendido pelo professor: “você não estudou com atenção. O conhecimento está lá; volte e releia”.

Sobre o resto, se há propósito sério, eles nos responderão dentro dos limites permitidos. Se, por outro lado, não houver propósito sério, poderão os bons Espíritos nos dar um belo puxão de orelha, no melhor dos casos; nos outros, poderão responder Espíritos maliciosos, com o intuito de nos provocar dificuldades e desvios, ou apenas de debocharem de nós.

Conclusão

Sendo data memorável, enfim, da vida desse Espírito que conhecemos por Allan Kardec, precisamos, em reconhecendo seu trabalho tão bem realizado e tão dedicado, recuperar a história real do Espiritismo, restaurando sua essência e afastando os escolhos que dela tomaram tão grande parte.

Espiritismo sem Espíritos, isto é, Espiritismo sem concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos e, por conseguinte, sem a nossa busca pela comunicação com eles, não é Espiritismo: é apenas opinião pessoal.


  1. Entre os papéis de próprio punho de Allan Kardec há um esboço autobiográfico no qual ele corrige seu primeiro nome, normalmente grafado como Hippolyte, para a verdadeira grafia Hypolite. Canuto Abreu teceu considerações num artigo, que pode ser acessado pelo endereço em https://espirito.org.br/autonomia/allan-kardec-data-e-nome. assim como o manuscrito de Kardec. Também o ano de seu nascimento foi corrigido nesse mesmo documento, tendo nascido em 1803 e não em 1804 como as biografias posteriores registraram equivocadamente. [Paulo Henrique de Figueiredo- Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo]



O Renascimento do Espiritismo

Vivemos a grande escuridão, novamente. Após o Espiritismo raiar na face da Terra como grandiosa luz que poderia nos lançar ao mais acelerado processo de renovação espiritual e moral humana, se espalhando com a velocidade de um raio, sofreu enorme revés e, então, passou a ser lentamente esquecido em suas proposta e verdadeira face originais. Vieram, então, as guerras, o grande desenvolvimento industrial, as enormes facilidades materiais, os enormes lucros e, por trás de grandes sorrisos falsos, de bonitas máscaras sociais, alegres e divertidas, se multiplicam as enormes dores e angústias que, não raro, encontram saída na desistência da vida e no suicídio direto ou indireto.

A humanidade clama. Há choro e ranger de dentes. Eis que, então, o inimaginável acontece e uma doença de facílima transmissão, embora de taxas de mortalidade relativamente baixas, se alastra por toda a superfície do planeta, levando entes queridos, vizinhos e conhecidos, pobres e ricos, em questão de poucas semanas – quase sempre, em menos de 20 dias. A humanidade se mostra, uma vez mais, ferida e vulnerável. O Espírito foi esquecido. A moral foi colocada de lado, como artigo de politicagem. Deus se tornou artigo de fé cega, quase sempre incompreendido e, embora presente em muitas línguas, vazias no coração.

As partidas de pessoas próximas abalam as famílias e os indivíduos. Um grande movimento se acelera: a busca por reaproximação com o espiritual, a busca por consolação, a busca por respostas. E eis que justamente nessa mesma época, começam a se avolumar, aos nossos olhos, grandiosos estudos e preciosas obras, por mãos dedicadas de irmãos entregues ao trabalho da Verdade, trazendo a nós a verdadeira face do Espiritismo e sua história, e grande e preciosa parte, até então incompreendida ou, então, desconhecida.

Vivemos, hoje, processo muito parecido com aquele vivido nos meados do século XIX, nos trazendo uma oportunidade mais uma vez extremamente grandiosa. Vejo e acredito que, como antes, vivemos grande chamamento de volta à espiritualidade. Multiplicam-se por todas as partes os fenômenos mediúnicos, inclusive os físicos, com vistas a chamar a nossa atenção. Como antes, passou a humanidade por gravíssima fase materialista, dando margem às grandes chagas do egoísmo e do orgulho, além de espaço à proliferação de todos os vícios e imperfeições, físicas e morais.

Nos foi dado a conhecer que o Espiritismo sofreu com diversas manipulações e desvios, às vezes criminosos, se não aos olhos da justiça humana, mas ao menos perante a justiça Divina. Letra e Movimento foram adulterados. O Espiritismo, após a morte de Kardec, perde a força gigantesca que vinha desenvolvendo e, com as guerras, encontra, no Brasil, guarida, para ficar em estágio semi-gestacional, no meio religioso, por mais de um século…

Irmãos, como dizia, vivemos momento importantíssimo e singular. O Espiritismo nasceu em momento favorável e necessário, quando a humanidade buscava respostas filosóficas para fazer frente ao negacionismo materialista que, por sua vez, nasceu para enfrentar o dogmatismo ferrenho das velhas religiões. Hoje, o Espiritismo renasce, em sua real exuberância, no momento certo, para atender aos clamores daqueles tantos que buscam respostas ao mesmo materialismo pujante e ferrenho que esfriou as almas durante o último século e colocou o homem no caminho do ganho e do lucro, das paixões efêmeras e do culto ao corpo.

A enorme diferença é que, hoje, encontramos o trabalho já iniciado. Não necessitamos desenvolver o raciocínio do zero, analisando fenômenos físicos, conversando com Espíritos através de pancadas. Basta, a nós, estudar a fundo, com muita sabedoria e dedicação, o Espiritismo e as obras complementares que nos ajudem a melhor compreendê-lo, situando-o de forma contextualizada no momento histórico em que nasceu para, então, trazer aos nossos dias o exato entendimento, que até hoje não tivemos, em maioria, sobre o que realmente é o Espiritismo!

Mas isso não será possível enquanto não agirmos conforme o exemplo daquele que Deus nos deu como exemplo nesse particular. Não falo do nosso exemplo máximo, Jesus, mas, sim, do nosso grande e humilde mestre, afável e caridoso, pesquisador dedicado à humanidade, Allan Kardec. Não, enquanto não seguirmos o seu exemplo, repito, a recuperação do Espiritismo não será possível. Kardec não foi perfeito, como nenhum de nós somos, mas uma coisa muito importante ele exemplificou: a total ausência de personalismo, vaidade e orgulho, bem como a busca por analisar fatos, provas e opiniões, de todos os lados e de todas as fontes, sem, antes, forma ideia previamente concebida. Enquanto nosso personalismo, nossa vaidade, nosso orgulho, nossos preconceitos, enfim, falarem mais alto, não sairemos do mesmo lugar. Não é isso, infelizmente, que tem feito as pessoas que, tomando frágeis argumentos a favor de suas ideias pessoais, continuam renegando os fatos históricos e que, por isso, se afastam do desenrolar do entendimento claro e profundo a respeito do Espiritismo, como já tratei neste artigo.

Espíritas, olhem ao redor: o trabalho nos chama, arduamente! O mundo de regeneração não virá sozinho! A regeneração precisa partir de nós, mas ela não se dará enquanto nos mantivermos parados, sentados, esperando a vida e aquilo que achamos serem castigos, passarem. Precisamos compreender que as dificuldades da vida, que julgamos castigos intransponíveis, são, na verdade, oportunidades valiosas de aprendizado e de correção de nossas imperfeições que nos levam a errar. Precisamos compreender que, assim como Deus não nos impõe castigos, mas, sim, oportunidades difíceis – mas totalmente suportáveis, desde que nós mesmos não aumentemos suas dificuldades – para aprendizado e elevação, também precisamos nós, com o auxílio da Doutrina Espírita, aprendermos a colocar em prática em nossas vidas e, sobretudo, com nossas crianças, a mesma moral: somos imperfeitos e castigar o erro nascido da imperfeição apenas causa retração e, muitas vezes, aumento da imperfeição e do erro. É isso que o Espiritismo vem nos mostrar: ninguém se torna anjo num estalar de dedos e, também, ninguém perde o que já conquistou. Não há anjos caídos, da mesma forma que não há escolhidos por Deus. Todos nós chegaremos à perfeição, sem exceções, mas a velocidade com que lá chegaremos depende, única e exclusivamente, de nós.

Assim, irmãos, mais do que nunca, vale aquela tão importante exortação: “Espíritasamaivos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo”. Precisamos deixar de lado as cisões. Precisamos deixar de lado os preconceitos. Precisamos, como Kardec, ouvir todas as opiniões, de todas as fontes, mas apenas como Kardec, entendendo muito bem seu trabalho, seu exemplo e seu método, poderemos nos unir, nos amar e nos instruir. E, sobretudo, precisamos produzir, em nosso bem e em favor do próximo, pois o tempo urge e, após um ano e meio de centros espíritas fechados, muitos sem nenhuma produção, sequer entre seus membros mais próximos, precisamos recuperar o Espiritismo que não é vivido em templos fechados, mas, sim, em nossa intimidade familiar e, daí, para o mundo afora!

Mais uma vez, fica aqui a exortação, o pedido, para que vós, irmãos, leiam também as obras tão importantes e necessárias ao nosso entendimento:

  • O Legado de Allan Kardec, por Simoni Privato
  • Nem céu nem inferno, por Paulo Henrique de Figueiredo e Lucas Sampaio
  • Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, por Paulo Henrique de Figueiredo
  • Muita Luz, por Berthe Fropo



Desafios da metodologia de Kardec nos dias atuais

À época de Kardec era fácil obter conteúdos com grande garantia de que não haviam sido “contaminados” por outros médiuns ou grupos, isto é, quando um mesmo ensinamento vinha de diversos pontos do globo, ou mesmo da Europa, ao mesmo tempo, era possível ter grande confiança de que o médium da Provença, por exemplo, não teve contato com o médium da Toscana, obtendo deste último e não da espiritualidade o conteúdo transmitido, mesmo que inadvertidamente.

Como adotar uma metodologia necessária, em tempos em que a comunicação pode estar no mesmo segundo do outro lado do globo? Em tempos de Internet e telefonia globais, isso se torna um grande desafio, mas cremos poder minorar essa possibilidade de enviesamento através dos seguintes preceitos metodológicos, de certa forma já prescritos por Allan Kardec:

  1. Os grupos constituídos precisam manter contato entre si, dando notícias de sua existência. 
  2. Através disso, poderão ser formados outros grupos, aos quais chamaremos Grupos Confederativos, por nos faltar termo melhor, constituídos de membros de cada um dos Grupos de Estudo, e que, obrigatoriamente, não sejam os médiuns que participam como medianeiros dos conteúdos transmitidos pela espiritualidade, nos Grupos de Estudo.
  3. Os membros dos Grupos de Estudo poderão compartilhar com os médiuns de seus grupos apenas o conhecimento que já tenha passado pelo crivo da concordância e da razão, através da verificação pelos Grupos Confederativos.
  4. Os conteúdos obtidos através dos médiuns de cada grupo de estudo não podem ser compartilhados com outros grupos de estudo, nem com outras pessoas fora desse grupo, senão com aquelas pertencentes aos Grupos Confederativos.

Desta forma, garante-se grande confiabilidade de que os ensinamentos provenientes de diversos grupos de estudo, através de seus médiuns participantes, não estão enviesados por conteúdos de outros grupos e médiuns. O trabalho do Grupo Confederativo, então, seria coordenar esses conteúdos, buscando analisá-los à moda de Kardec, aceitando aqueles que se mostrem concordantes e que atendam ao crivo da razão e da lógica, bem como aos ensinamentos já anteriormente positivados pelo mesmo método. Há, ainda, o problema que sempre existiu de determinado conteúdo estar enviesado por outros conteúdos previamente conhecidos, mas não necessariamente corretos, como é o caso da teoria dos sete corpos astrais. Contudo, aos grupos dotados de boa-fé e humildade, poderão facilmente verificar quais são os conteúdos que (1) vão contra aquilo que já estava positivado pela própria codificação kardequiana e que (2) poderão ser facilmente desmentidos pelo próprio estudo.

Lembramos que nossa condição não será a de pesquisadores que se ponham a fazer as mais variadas perguntas, esperando que sejam respondidas conforme nossa vontade, mas sim a de pessoas que, partindo do preceito da humildade e da disponibilidade em aprender, estarão atentas aos ensinamentos recebidos, procurando compreendê-los em sua extensão, dentro dos limites que a espiritualidade superior traçar para nós, assim como era feito à época de Allan Kardec. Assim, como Kardec, precisaremos organizar perguntas de forma construtiva, avançando ou modificando os rumos conforme forem dadas as respostas.