O que deve ser a História do Espiritismo

O século XIX foi o Século da Razão! Isso quer dizer que não havia brecha para misticismo muito menos para dogmas. O dogma só desaparece quando debruçamos sobre o estudo dedicado e contínuo. Este Artigo que trazemos aqui é da Revista Espírita, outubro de 1862, “O que deve ser a história do Espiritismo“.

“A propósito dessa história, sobre a qual dissemos algumas palavras, várias pessoas nos perguntam o que compreenderia ela, e com esse objetivo nos enviaram diversos relatos de manifestações. Aos que pensaram assim trazer uma pedra ao edifício, agradecemos a intenção, mas diremos que se trata de algo mais sério que um catálogo de fenômenos espíritas encontradiço em muitas obras. Tendo o Espiritismo que marcar presença nos fastos da Humanidade, será interessante para as gerações futuras saber por que meios ter-se-á ele estabelecido. Será, pois, a história das peripécias que tiverem assinalado os seus primeiros passos; das lutas que tiver enfrentado; dos entraves que lhe terão oposto; de sua marcha progressiva no mundo inteiro.

O verdadeiro mérito é modesto e não busca impor-se. É preciso que a Humanidade conheça os nomes dos primeiros pioneiros da obra, daqueles cuja abnegação e devotamento merecerão ser inscritos em seus anais; das cidades que marcharam na vanguarda; dos que sofreram pela causa, a fim de que sejam abençoados; dos que fizeram sofrer, a fim de que orem por eles, para que sejam perdoados. Numa palavra, de seus amigos dedicados e de seus inimigos confessos ou ocultos.

É preciso que a intriga e a ambição não usurpem o lugar que lhes não pertence, nem um reconhecimento e uma honra que não lhes são devidos. Se há Judas, é preciso que eles sejam desmascarados.

Uma parte, que não será a menos interessante, será a das revelações que sucessivamente anunciaram todas as fases dessa era nova e os acontecimentos de toda ordem que as acompanharam.

Aos que acharem a tarefa presunçosa, diremos que não teremos outro mérito senão o de possuir, por nossa posição excepcional, documentos que não estão em poder de ninguém, e que estão ao abrigo de quaisquer eventualidades. Considerando-se que o Espiritismo está sendo chamado, incontestavelmente, a desempenhar um grande papel na História, é importante que esse papel não seja desnaturado, e que seja mostrada a história autêntica, em oposição às histórias apócrifas que o interesse pessoal poderia fabricar.

Quando aparecerá ela? Não será tão cedo, e talvez não em nossa vida, pois não se destina a satisfazer à curiosidade do momento. Se dela falamos por antecipação, é para que ninguém se equivoque quanto ao seu objetivo e seja anotada a nossa intenção. Aliás, o Espiritismo está em seu começo, e muitas outras coisas acontecerão até lá. Então, é preciso esperar que cada um tenha tomado o seu lugar, certo ou errado.” (grifos nossos)

Observação: É interessante notar como parece que Allan Kardec já sabia do que aconteceria no futuro. Tanta oposição nas historias apócrifas e tanto interesse pessoal fabricado nas costas do Espiritismo… Por garantia ele guardou documentos para essas eventualidades que volta e meia são publicados! Fiquemos atentos ao que mais interessa

Hoje percebemos que essa história ainda está em pleno desenvolvimento. Estamos ainda aprendendo a passos lentos os ensinamentos que os Espíritos trouxeram na época de Kardec. Que todos usemos da Vontade e da Imaginação para alcançar esse entendimento tão apoiado na Razão!




CSI do Espiritismo: o órgão oficial da Verdade

CSI do Espiritismo, de Carlos Seth, tornou-se órgão oficial da Verdade.

por Paulo Degering R. Junior


Ao contrário de respeitar a lei mundial, no que tange ao direito moral do autor e que classifica, peremptoriamente, sob ponto de vista jurídico, a quarta edição de O Céu e o Inferno e a quinta edição de A Gênese como adulterações fácticas, indiscutíveis, o grupo conhecido como CSI do Espiritismo, através de uma argumentação repleta de furos e falta de lógica, dando palavras finais sobre o assunto e atropelando o ordenamento jurídico, diz que não houve adulterações.

Lá, no CSI do Espiritismo, de Carlos Seth, Adair Ribeiro e Luciana Farias, não se discute mais sobre o assunto. Apesar de o registro legal da publicação da quinta edição de A Gênese datar apenas de 1872, como eles encontraram um (só um) suposto exemplar dessa edição, mas com a data de 1869, numa biblioteca da Suíça (não da França, mas da Suíça), logo ligaram esse exemplar perdido ao fato de Kardec ter declarado estar preparando uma nova versão — como se isso pudesse ser utilizado como prova de conclusão e de correspondência. E, no balaio, junto vai a afirmação de que a grotesca — e evidente — adulteração de O Céu e o Inferno não existiu!

A lógica da Verdade absoluta (CSI do Espiritismo) é esta: se Kardec declarou estar preparando uma nova edição de A Gênese e se um exemplar, datado de 1869, com alterações no mínimo estranhas, foi encontrado (na Suíça), então é evidente que ele só pode ter sido publicado pelas mãos de Kardec (apesar dos problemas, logo na capa), e mente quem disser o contrário!

É claro que aqui existe um detalhe: o fato de que, tendo o Depósito Legal da 5.ª edição sido realizado apenas em 1872, quase três anos após a morte de Kardec, isso, per se, classifica uma questão legal importante — a de que qualquer alteração realizada após a morte de um autor implica em adulteração. Mas é claro que o Ministério da Verdade tem a resposta: o exemplar único, sabe-se lá por que, esquecido numa biblioteca suíça (e não francesa) é a prova cabal contra a questão jurídica (não é)!

Tem também o fato de a esposa de Kardec ter assinado a ata de 1873 (se não me engano) onde estaria dando ciência da publicação daquela edição… Mas que ela tenha sido colocada de lado por Leymarie, como demonstra Simoni Privato, e que essa edição não tenha sido publicada na França, nos primeiros anos, é claro que não vem ao caso. Parece-nos que foi tudo pensado para que essa adulteração não ficasse em evidência no território francês.

Seria lógico, para um pensador incauto, imaginar que o fato de não ser possível encontrar, na França, exemplares dessa nova edição, “Revisada, Corrigida e Aumentada”, deva-se ao fato de que, na França, isso poderia ser considerado uma contravenção — já que ela não tinha depósito legal — mas não para quem aceita a Verdade Inquestionável.

Como eles encontraram diversas evidências de que Kardec, antes de morrer, havia encomendado uma nova edição de A Gênese; como encontraram evidências de que essa nova edição havia começado a ser impressa; como eles verificaram que a própria viúva de Kardec, três anos depois, assinou um documento dando ciência sobre a distribuição dessa nova edição, eles concluíram, é claro, que seria absolutamente impossível que alguém tomasse os tipos móveis, após a morte de Kardec, e produzisse uma segunda versão, apresentando cada uma conforme conveniência, ou que tivessem dado sumiço na versão alterada por Kardec, ficando apenas com uma versão adulterada. Não, nada disso pode ter acontecido, segundo o CSI do Espiritismo.

Evidências, agora, são suporte para dar a palavra final sobre algo que não pode ser provado — e que eles afirmam que não pode ser provado. O que precisamos entender e aceitar, “de nosso lado”, é que Kardec ficou — ele que me perdoe — gagá, nos seus últimos anos! Que, apesar de ter realizado obras tão profundas e sábias, em termos científicos e filosóficos — O Céu e o Inferno e A Gênese — pouco após isso, deve ter tido algum tipo de síncope que o deixou lesado, a ponto de ir contra a direção dos Espíritos, que diziam que a obra estava ótima e que NADA deveria ser removido.

Minha opinião é que não há absolutamente nada de doutrina a ser retirado; tudo aí é útil e satisfatório sob todos os aspectos

[…]

É necessário deixar intactas todas as teorias que aparecem pela primeira vez aos olhos do público”.

No caso, além da demonstração jurídica da adulteração de A Gênese, também esta comunicação reforça o fato em razão das alterações doutrinárias identificadas na obra, com a supressão de diversos trechos em que Kardec critica a moral heterônoma do fanatismo religioso, dentre outras manipulações.

Ainda nesta comunicação, o espírito sugeriu também que ele trabalhasse sem pressa e sem dedicar muito tempo:

Sobretudo, não se apresse demais. (…) Comece a trabalhar imediatamente, mas não de forma exagerada. Não se apresse”.

AUTONOMIA. NCNI – Conselhos sobre A Gênese. Disponível em: https://espirito.org.br/autonomia/ncni-conselhos-sobre-a-genese/. Acesso em: 24 abr. 2023.

Kardec não só removeu pontos importantíssimos das obras, como o prefácio da nova edição de OCI (afinal, quem é que precisa de um prefácio explicando o caráter da obra e a propriedade que ela tem, como resultado do estudo da ciência espírita?), como fez um verdadeiro frankenstein de AG, trocando ideias fundamentais antes declaradas e fazendo até mesmo referências a postulados que haveria de remover na nova edição de OCI. Logo ele, que, com uma habilidade assustadora, era capaz de conduzir uma linha de pensamentos perfeitamente encadeada entre vários números da Revista Espírita! Removeu um capítulo de OCI e transformou em lei do pós-morte aquilo que outrora dizia não ser possível tomar como lei — sem dar nenhuma explicação sobre isso!

Coitado do Kardec, deve ter soltado um parafuso de tanto falar com Espíritos. Segundo essa linha de pensamentos — a da Verdade Inquestionável — ele, por pouco, poderia ter se tornado um novo discípulo de Roustaing!

Pior: além de gagá, Kardec ficou MEDROSO. Ora, é a única coisa que podemos depreender da inquestionável verdade do CSI do Espiritismo, já que fez, n’A Gênese, pesadas assertivas sobre os adversários do Espiritismo, para depois removê-las na nova edição.

Dizer que a humanidade está madura para a regeneração não significa que todos os indivíduos estejam no mesmo degrau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão desabrochar. Então, eles se mostrarão mais avançados do que se possa supor e seguirão com empenho a iniciativa da maioria. Há, entretanto, os que são essencialmente refratários a essas ideias, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente não as aceitarão, pelo menos nesta existência; em alguns casos, de boa-fé, por convicção; outros por interesse. São aqueles cujos interesses materiais estão ligados à atual conjuntura e que não estão adiantados o suficiente para deles abrir mão, pois o bem geral importa menos que seu bem pessoal — ficam apreensivos ao menor movimento reformador. A verdade é para eles uma questão secundária, ou, melhor dizendo, a verdade para certas pessoas está inteiramente naquilo que não lhes causa nenhum transtorno. Todas as ideias progressivas são, de seu ponto de vista, ideias subversivas e, por isso, dedicam a elas um ódio implacável e lhe fazem uma guerra obstinada. São inteligentes o suficiente para ver no Espiritismo um auxiliar das ideias progressistas e dos elementos da transformação que temem e, por não se sentirem à sua altura, eles se esforçam por destruí-lo. Caso o julgassem sem valor e sem importância, não se preocupariam com ele. Nós já o dissemos em outro lugar: “Quanto mais uma ideia é grandiosa, mais encontra adversários, e pode-se medir sua importância pela violência dos ataques dos quais seja objeto”.

KARDEC, Allan. A GÊNESE, 4.ª EDIÇÃO — EDITORA FEAL

Vai ver Kardec recebeu alguma carta ameaçadora — mais ameaçadora que as dezenas que deveria receber com ameaças. Ou então Kardec notou, enfim, seu erro em julgar que o Espiritismo fosse assim tão potente a ponto de despertar esse ódio implacável ao qual se referiu.

Bem, além de aceitarmos a Verdade Inquestionável do CSI do Espiritismo, aprendendo a deixar de lado esse negócio de “razão”, precisamos também aprender a enterrar certos autores, que nem sequer são citados pelo órgão representativo da verdade divina na Terra. Podemos até mesmo criticá-los, como fez Carlos Seth, mas não podemos, de forma alguma, utilizar seus vastos trabalhos de anos de pesquisa sobre Magnetismo, Espiritualismo Racional e Espiritismo. Jamais! Ao criticá-los, não devemos nem sequer citar nomes – vai que as pessoas despertem o interesse em ler as insanidades que diz esse tal “Paulo Henrique de Figueiredo”. Afinal, esse autor tem a ousadia de questionar o Ministério da Verdade, utilizando essa tal da “razão” e, afirmando que não consegue ver um Kardec tresloucado, diz que encontrou a plena concordância das ideias tratadas nas obras e na Revista Espírita com as primeiras edições dessas obras — edições essas que também não devem ser citadas.

Passemos uma régua por cima de todo esse imbróglio, e não mais falemos sobre isso. As evidências do “outro lado”, esse que “acredita” numa adulteração, devem ser sumariamente esquecidas, junto aos seus autores. Diferentemente do que dizia Kardec — que não podemos dar palavra final sobre aquilo que não pode ser provado — nós devemos aceitar a palavra final do CSI do Espiritismo. Desde que as evidências por eles encontradas tornaram-se expressão final da verdade inquestionável, todos — repito: todos — os argumentos do “outro lado” tornam-se automaticamente nulos! Aquele “caminhão” de argumentos trazidos por Simoni Privato em “O Legado de Allan Kardec”? N-U-L-O, pois diz Carlos Seth Investiga: “Nós demonstramos com FATOS que TODAS as evidências utilizadas para provar que “A Gênese” poderia ter sido adulterada NÃO se sustentaram”. Há quem discorde.

Ah, o FATO de Leymarie ter adulterado uma comunicação espiritual, em Obras Póstumas, removendo justamente o trecho em que o Espírito recomendava que Kardec não retirasse nenhuma ideia na nova edição de A Gênese também foi prontamente anulado pelas evidências do órgão da Verdade Inquestionável.

Também não devemos nem sequer trazer à tona esses argumentos contrários, pois do que é que vale, contra algumas evidências materiais, uma enorme quantidade de argumentos lógicos e o fato de que o registro, após a morte do autor, de uma edição alterada, configura adulteração? ? Absolutamente nada!

É claro que isso traz um “pequeno” problema, já que o Espiritismo não pode ser provado senão por meio da racionalidade, mas não devemos temer: o Ministério da Verdade com certeza terá uma solução para isso. Assim que o Espiritismo estiver um tanto mais minado pela desconfiança colocada sobre Kardec (quem, lembre-se, ficou gagá) e pela descoberta de “fofocas da época”, obtidas através de opiniões dos médiuns dissidentes, encontradas em documentos antigos, poderemos, quem sabe, passar um rodo sobre o Espiritismo “de Kardec” e fundar uma nova era de estudos históricos.

Mas não é tudo: devemos, além de declarar a nulidade de qualquer argumento em contrário, sem apresentá-los ao público, combater também qualquer ideia que venha da direção contrária, criticando obras sem nenhuma necessidade de compromisso científico. Se cometermos falácias, não tem problema. Afinal, estaremos combatendo a mentira e, para isso, devemos usar todas as armas.

Diz Carlos Seth, do CSI do Espiritismo:

Em meados de 1890 houve a consolidação da divisão entre o Espiritismo consolador e o Espiritismo científico, conforme já apontou o colega John Monroe.

A história se repetiu entre 2016 e 2020 agora no campo da moral, com o lançamento de livros que procuraram trazer pensamentos de Kant, Maine de Biran e Victor Cousin para dentro do Espiritismo, mesmo que para isso precisassem deturpar as ideias de Allan Kardec.

BASTOS, Carlos Seth. Bônus adicional – O final. Espíritos sob investigação. Disponível em: <https://www.luzespirita.org.br/leitura/pdf/L193.pdf>. Acesso em: 15/04/2023.

Sem sombra de dúvidas, Seth não leu absolutamente nada do que esse povo doido está falando por aí sobre o Espiritualismo Racional, nem leu a Revista Espírita, que é onde está firmada a base científica do Espiritismo, que ele parece criticar. Justamente na Revista Espírita, onde Kardec parece ter “perdido a cabeça”, ao afirmar o Espiritismo sendo um desenvolvimento do Espiritualismo Racional! Interessante é que a leitura e o cuidado em não se falar do que não se sabe faz ser evidente que o Espiritualismo Racional deu base ao Espiritismo, havendo um grande intercâmbio entre essas duas ciências, sendo que o Espiritismo vem dar a chave para aquilo que o ER não tinha como responder. Mas é aí que mora o problema: esse assunto é tratado por um autor cujo nome o Ministério da Verdade (CSI do Espiritismo) não permite nem sequer que seja citado — esse tal “Figueiredo”. Cito até a obra: “Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo”. Mas, por favor, não leiam esse livro, repleto de sandices! Devemos apenas colocá-la na sombra da inexistência, junto ao seu autor que, segundo o Ministério, está causando uma divisão no Espiritismo, “agora no campo moral”!

Se a Verdade Inquestionável age assim, é porque tem um motivo muito sério: é que esse autor pode dar aval às subversivas ideias da adulteração. Mostrando suas intenções malévolas e colocando seus livros no esquecimento, através de algumas inofensivas e nada levianas afirmações falaciosas, age a Verdade em nome do Bem. Essas ideias de autonomia e Espiritualismo Racional — “racional” — se são tratadas por esse autor, ou são fruto de erro, ou devem apenas serem esquecidas, a fim de que, repetimos, não levem as pessoas a lerem as obras proibidas.

Preste muita atenção: a controvérsia sobre a adulteração das obras O Céu e o Inferno e A Gênese se mostrou inexistente! Sim, porque, para nós que aceitamos a Verdade Inquestionável do CSI do Espiritismo, o outro lado nem sequer existe! Como aceitamos evidências como provas (embora ciência seja sobre teorias, e não provas) e fazemos uma inferência que para muitos pode parecer forçada — mas o Ministério da Verdade afirma que não é — todo o restante torna-se automaticamente nulo. Apaguemos também a história, que nem sequer devemos citar. Sobre os autores que corroborem essa ideia de um complô ao redor de Kardec, não podemos fazer nada mais do que mostrá-los como são — impulsivos e levianos, embora tenham se dedicado a longos anos de pesquisas — para que, enfim, possamos guiar as pessoas pelo caminho correto — o da Verdade Inquestionável — não pela razão, mas pela coerção, já que a maioria é incapaz de pensar por si própria. Aquela história de deixar ao tempo e ao público julgar o que é correto — essas ideias malucas de Kardec — caem por terra, pois temos evidências que podem ser tomadas como provas cabais, segundo nossas teorias.

Aqueles, enfim, que não aceitam a Verdade Inquestionável, devemos tratá-los como são: resistentes e de mente fechada, que não aceitam as evidências que lhes apontamos. Preferem acreditar que Kardec jamais poderia ter realizado tais alterações, pois, dizem eles, não são racionais nem condizem com o método que ele teria utilizado por anos, nem muito menos com o restante da obra. Balela! Declaremos guerra a essas ideias sem nenhum nexo e proibamos, o quanto possível, que sejam sequer suscitadas, pois causam um mal gigantesco ao atiçarem, no povo, essa vontade absurda de pensar pela razão — tão absurda que não aceitam as evidências históricas como fato irrefutável da não adulteração. Aliás, devemos nomeá-los como tal: negacionistas, de modo que sejam desmoralizados onde quer que falem e não despertem a curiosidade de ninguém.

Ficam, assim, definidos alguns passos a serem seguidos para o restabelecimento da Verdade, segundo o CSI do Espiritismo:

  • Utilizar todo espaço possível, nas redes sociais e nos canais do Youtube, para afirmar que todos os argumentos contrários foram vencidos, sem nenhuma intenção de diálogo.
  • Escrever documentos e artigos mostrando uma série de evidências materiais que corroboram a tese, digo, a prova evidencial da Verdade — novamente, sem cogitar de apresentar argumentos contrários.
  • Escrever artigos que desmereçam autores e ideias em contraste à posição do Ministério do CSI do Espiritismo, sem se aventurar a conhecê-los, o que é óbvio, e sem nenhuma preocupação em cometer falácias. Lembre-se: tudo pelo Bem!
  • Criar espaços para estudos. Do Espiritismo? Não. De seu contexto científico? Muito menos! Para estudar as cartas antigas e investigar quem foram os médiuns que Kardec insistentemente dizia que não deviam ser colocados em relevância.
  • Ante qualquer discussão sobre a forma de ação do Ministério da Verdade, conduzir rápida e habilmente o assunto para a questão da adulteração, onde temos o total controle, já que o outro lado, já desmoralizado pelo enquadramento no negacionismo, não poderá sustentar fiabilidade ante o público.

Dizem eles que manchamos a imagem de Kardec e o próprio Espiritismo ao agir assim. Ora, a busca é pela Verdade, e tudo aquilo que sustente aquilo que temos como certeza, desde o início, deve ser exaltado, doa a quem doer. Mas chega desse assunto, pois não o discutiremos mais, agora que estamos de posse da Verdade Inquestionável.


Prezado leitor,

É claro que, se você estuda Kardec e nos acompanha, notou que o texto é apenas uma crítica, em tom de sátira, ao comportamento absurdo adotado por algumas pessoas que decidiram tomar, para elas, a verdade, deixando fatos importantes de lado. Sinto por ter te feito ler tudo isso. De nossa parte, não desejamos impor a nossa verdade ou as nossas conclusões. Deixamos a cada um a liberdade de julgar por si mesmo, de posse de evidências e fazendo uso da própria razão. O que nos entristece é que muitos, deixando-se conduzir, abstraem-se totalmente de conhecer obras como as de Paulo Henrique de Figueiredo e de Simoni Privato, que têm trazido uma contribuição ímpar para a compreensão do Espiritismo.

Qual é o cerne da questão, enfim? É que a 5.ª edição, com alterações, tem depósito legal realizado apenas em 1872. Isso, legalmente, configura adulteração. O restante, as evidências encontradas pelo “CSI do Espiritismo”, apontam apenas para o fato de que Kardec preparava uma nova versão, mas não prova que essa versão chegou a ser impressa. Constituem inferências forçadas todos os esforços no sentido de apontar que aquele único exemplar encontrado na Suíça corresponde a essa nova edição, apenas porque corresponde ao exemplar referente ao depósito legal de 1872, da 5.ª edição, feito por Leymarie. Esse é o ponto.

O que temos por segurança, sem nenhuma sombra de dúvida: Kardec realizou uma edição de A Gênese, da qual encomendou quatro reimpressões, sendo que cada uma delas configurava uma nova edição, embora iguais à primeira. A prova disso está no fato de ele não ter realizado depósito legal para as demais edições.

Também é um fato que Kardec preparava uma nova edição dessa obra e de O Céu e o Inferno. Mas não existe prova que de ele as concluiu, sendo outra inferência forçada afirmar que o pedido de reimpressão de dois mil exemplares de A Gênese, feito em fevereiro de 1869, refira-se à impressão dessa nova edição. Pode ser que sim, pode ser que não. Se sim, pode ser que essa edição tenha sido destruída, para, então, alguém realizar uma adulteração. Para o argumento sobre o tempo hábil para fazê-lo, basta lembrar que, naquele tempo, as pessoas tinham muito mais tempo que nós temos hoje e que, além disso, não existe prova de que a versão adulterada não tenha sido impressa apenas mais tarde; para o argumento da necessidade de convencimento do impressor, basta supor que seria necessário apenas dizer, por exemplo, que foi um pedido de Kardec, feito pouco antes de morrer, e que, não sendo aquilo uma edição final, mas apenas uma edição para avaliação e correções, não seria necessário o depósito legal (o que é um fato).

Um ponto importante, aliás: qual é o sentido de Kardec mudar o título de sua obra (A Gênese), inserindo o subtítulo “revisada, corrigida e aumentada”, se nunca fez isso antes, para nenhuma das outras obras? A meu ver, mais parece algo feito, por um adulterador, no sentido de reforçar que aquela edição seria uma importante “alteração”.

A comunicação espiritual, onde o Espírito afirma, através do médium Sr. M. Desliens, que Kardec não deveria remover nada, mas apenas condensar aquilo que possivelmente tenha ficado claro em outros pontos (que você pode conferir aqui), foi adulterada por P. G. Leymarie, quando foi incluída com cortes e alterações em Obras póstumas, organizada por ele, e publicada em 1890: segunda parte, capítulo: “A minha iniciação no Espiritismo”, item: “Minha nova obra sobre A Gênese” (onde “Minha” seria uma referência a Kardec, falando de si mesmo).

Ora, por que essa sanha de Leymarie em dar suporte, por intermédio de uma flagrante adulteração, à ideia de que a 5.ª edição de A Gênese foi produzida por Kardec?

Enfim, deixemos cada um a seu tempo e as suas escolhas, mas não nos ausentemos de apresentar a real proposta da ciência espírita, totalmente autônoma e libertadora e, conforme concluímos, muito afastada dos conceitos transformados em “Código Penal da Vida Futura”, naquilo que, para nós, somente pode ser configurado como uma adulteração.

Fato é que Carlos Seth, na busca por tudo o que possa suportar sua ideia, tem distorcido, ele mesmo, ideias e palavras, utilizando de falácias e argumentos lógicos, algumas vezes inválidos, para forçar conclusões. Foi leviano e deselegante ao afirmar, com grande desconhecimento, que “certo autor” estaria provocando uma divisão no Espiritismo, “agora no campo moral”, ao trazer, para dentro da Doutrina, o Espiritualismo Racional (já tratamos disso no artigo Espiritualismo Racional e Espiritismo – uma nova divisão no meio Espírita?) e é igualmente deselegante ao utilizar seus meios de comunicação para denegrir aqueles que, pela razão e pelos fatos, concluem diferentemente dele, imputando a eles os termos “negacionistas”.

Ademais, apresentamos um argumento final: o próprio Carlos Seth afirma que não tem prova de que as obras não foram adulteradas. Resta, portanto, espaço para alguma dúvida e, assim sendo, não seria muito mais prudente ficar com a primeira edição dessas obras, de quando Kardec era vivo, onde temos a total confiança de que tudo, absolutamente tudo o que existe ali, foi produzido por suas mãos? Isso, é claro, sem tratarmos as outras edições como inexistentes, pois elas servem, a nosso ver, justamente para demonstrar o tom das alterações e o que foi que elas removeram ou inseriram no pensamento de Kardec.

Deixamos ao leitor a reflexão.




Novos Horizontes

No primeiro semestre de 2021, tive — e eu nem lembro mais como — contato com a obra de Simoni Privato — O Legado de Allan Kardec — obra essa que muito me abalou, frente ao entendimento de tudo o que aconteceu com o Movimento Espírita francês, após a morte de Kardec, e o quanto isso definiu o rumo desse movimento no século seguinte, em especial no Brasil. Em seguida, “por acaso”, alguém postou, em um grupo, um questionamento sobre uma obra recém-lançada, na época: “Nem céu, nem inferno”, de Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo (PHF). O primeiro pensamento foi: deve ser um absurdo. Mas o título era desafiador demais para deixar passar. Resolvi pesquisar e encontrei um artigo, em um blog espírita, falando sobre a obra… E, para entender quais eram as bases do que os autores afirmavam, adquiri e li a obra, com grande avidez, devo confessar.

Da leitura dessas obras, além da constatação da distância mencionada (entre Movimento Espírita e o Espiritismo), me nasceu a necessidade de estudar o Espiritismo nas obras de Kardec, pois o fato patente constatado é que, com pelo menos 20 anos estudando ou lendo obras espíritas, eu não conhecia o Espiritismo. Demérito? Nenhum. Estudei o que estava ao meu alcance. Humilhação? Só se eu julgasse que a verdade era apenas o que eu conhecia e que, fora disso, nada existiria. Mas se tem uma coisa que eu conhecia sobre Kardec, por tradição de estudos de O Livro dos Espíritos, com meu pai, era o seu grandioso empenho na busca científica da verdade, motivo que me instigou a estudar, sem apegos. Mas… Estudar o quê? O Livro dos Espíritos eu já conhecia em grande parte. A essência de O Livro dos Médiuns, também. Quero dizer: frente àquilo que estava ao meu alcance, a essência moral e científica me parecia bem compreendida.

Um fato que me chamou a atenção e que talvez a intuição tenha reforçado é que deveria haver algo de importante nessa tal “Revista Espírita”, posto que esses autores frequentemente recorriam a citações muito pertinentes e perspicazes de Kardec ou de Espíritos, contidas nesses volumes. Assim, nasceu esta iniciativa e nosso grupo de estudos… Mas isso tudo vocês provavelmente já sabem. Não é esse o ponto, somente achei interessante demonstrar, mais uma vez, o caminho que percorri até aqui, pois esse caminho está me levando para lugares nunca antes visitados.

Um fato muito importante que aconteceu nessa trajetória foi a aproximação com o Grupo de Estudos Espiritismo para Todos, o que aconteceu porque, em contato com o Paulo Henrique, ele mesmo me indicou alguém desse grupo, que estudava junto a ele as obras de Kardec e seu contexto científico. Daí, veio o conhecimento sobre o Espiritualismo Racional, que várias vezes já abordamos por aqui, um pouco sobre o Magnetismo e, mais recentemente, um aprofundamento gigantesco em todo o contexto de Kardec, desconhecido atualmente. A metafísica, coisa totalmente desconhecida ou desconectada da ciência atual, era parte elementar dos estudos de qualquer cientista da época, e foi ela, juntamente a tudo o que a ciência fornecia, naquela época, que deu possibilidade à formação da Doutrina Espírita.

Da mesma forma que a Ciência propriamente dita tem como objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da natureza que reage incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, disso resulta que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro; que o Espiritismo e a Ciência se completam; que a Ciência sem o Espiritismo está impossibilitada de explicar certos fenômenos recorrendo somente às leis da matéria, e por ter prescindido do princípio espiritual se encontra em meio a tantas dificuldades; que o Espiritismo sem a Ciência careceria de apoio e de controle e poderia equivocar-se. Se o Espiritismo tivesse chegado antes das descobertas científicas, teria fracassado, como tudo o que ocorre antes do seu tempo.

KARDEC, Allan. A Gênese, 1868

É impossível descrever, somente neste artigo, tudo o que temos estudado até agora. O leitor que nos acompanha poderá identificar, na leitura dos textos deste site, diversas sugestões e pistas que frequentemente damos e que cabe a cada um o interesse de investigar ou não. O fato é que estamos chegando a um ponto, acompanhando os estudos do amigo Paulo Henrique, em que minhas primeiras indagações começam a ser respondidas: será possível retomar o Espiritismo, estudado cientificamente, como Kardec fazia? Será possível retomar o contato com os Espíritos, dando continuidade à formação, ou mesmo à recuperação doutrinária? Sim, é possível (e escrevo isso com um sorriso no rosto).

Veja: Kardec havia compreendido e avançado sobre pontos científicos que nós jamais suspeitávamos, e isso pôde ser constatado através de um método que, em breve, será conhecido por nós e pelo prezado leitor, porque o interesse é apresentá-lo para a humanidade. Não só o método, na verdade, mas o conhecimento encontrado através dele. Em estudo com PHF, onde esse conhecimento está sendo elaborado, não pude me sentir nada mais do que muito diminuído frente a Kardec. Me senti ignorante frente à minha compreensão prévia do Espiritismo. A cada nova constatação, eu ria, mas não era uma risada de desdém ou sarcasmo: era uma risada impossível de conter, que expressava meu nível de ignorância, frente ao tamanho que tomava a ciência espírita, formada pelos estudos de Kardec, através de anos de aprendizado junto aos Espíritos.

Nós já sabemos (e, se você não sabe, corra agora para estudar a Revista Espírita) que, no aprendizado com os Espíritos, não podemos tratá-los como reveladores, para os quais basta perguntar e eles respondem, com a teoria pronta. Não.

“… no mundo dos espíritos ocorre um fato muito singular, o qual seguramente ninguém havia suspeitado – os de existirem espíritos que não se consideram mortos. Pois bem: os Espíritos superiores, que conhecem perfeitamente esse fato, nunca vieram dizer por antecipação: “Há Espíritos que supõem ainda viver na vida terrestre; conservando seus gostos, hábitos e instintos”. Em lugar disso, provocaram a manifestação de Espíritos dessa categoria para que os observássemos. Assim, depois de ver Espíritos inseguros em relação ao seu estado, ou afirmando pertencerem a este mundo e desempenhando suas ocupações habituais, do exemplo se deduz a regra. A multiplicidade de fatos semelhantes provou não se tratar de uma exceção, mas de uma das fases da vida espiritual, permitindo estudar todas as variedades e causas dessa singular ilusão, além de reconhecer, sobretudo, ser essa situação própria de Espíritos pouco avançados moralmente, e característica de determinados tipos de morte; que é apenas temporária, mas podendo durar dias, meses e anos. Assim, a teoria nasceu da observação. O mesmo aconteceu com todos os demais princípios da doutrina.”

KARDEC, Allan. Ibidem.

É fácil perceber, portanto, quantos conhecimentos esses estudos requerem e, num século onde cada área está nichada, isto é, onde o físico não estuda filosofia; onde o matemático não conhece botânica; onde o químico não conhece astronomia, e onde nenhum deles conhece metafísica, fica mais fácil ainda compreender a dificuldade que enfrentamos. De minha parte, reconheço: se aventurar nesses estudos não é para qualquer um, e eu só posso me portar como um ganso (porque não quero me comparar a uma galinha, seria muito humilhante), correndo atrás das migalhas que caem das mãos daquele que plantou e que agora colhe os grãos da plantação.

Bem, como eu dizia, novos horizontes estão se abrindo e, cada um que se interesse em aprender e espalhar o conhecimento, pode e deve se lançar aos estudos, da forma que for possível a cada um. É difícil colher todo o aprendizado para retomar, por mãos próprias, o estudo científico do Espiritismo, mas quem disse que nós precisamos ser tão geniais como Einstein para entender a essência das leis do nosso universo, demonstradas por esse grande gênio? Podemos nos portar da mesma forma com o Espiritismo: basta dedicação, colocar a cabeça para funcionar e, de nossa parte, pesquisar, questionar e se aprofundar em tudo o que nos parecer nebuloso. O mais importante de tudo é que não estamos sozinhos: em grupo, a construção torna-se muito mais proveitosa, pois cada um, estando na posição de ajudar e de ser ajudado, auxilia e participa da construção do conhecimento. O que precisamos é sair da condição de professores de Espiritismo.

Terminamos nosso último estudo com o Paulo dizendo algo mais ou menos assim: “se esse conhecimento é tão interessante e transformador para nós, que somos ignorantes, imaginem para quem é inteligente!”. Sim. Imagine o que será para um matemático verificar que o Espiritismo fala de matemática. Imagine o que será para o físico, para o químico, para o médico, para o filósofo, verificar que, no Espiritismo, trata-se de tudo isso, com aspecto moral e sem misticismo? De que tudo se depreende da Lei Natural, e de que é disso que o Espiritismo vem tratar?

Mas, para isso, é preciso vencer algumas barreiras concretadas pelo materialismo, não só na ciência, mas também dentro do movimento espírita. Primeiramente, será necessário demonstrar que a ciência moderna, ao virar as costas para a metafísica, tornou-se tão dogmática quanto a Igreja que, no passado, tratava como herege aquele que afirmava que a Terra girava ao redor do sol, ou que queimava “bruxas” por afirmarem estarem ouvindo ou vendo Espíritos. Depois, será necessário demonstrar que isso que eles acham que é Espiritismo — muitas vezes baseados em coisas absurdas que leem por aí, outras vezes baseados no que lhes apresentam conhecidos, ditos espíritas, mas dogmáticos e caminhando pelas falsas ideias, ou ainda pela falsa confusão entre Espiritismo e espiritualismo moderno, místico, supersticioso e também dogmático — será necessário demonstrar, eu dizia, que isso não é Espiritismo. Será preciso demonstrar que o Espiritismo foi (é) algo tão racional e sério, um fato inegável, que adiantou, há mais de 150 anos, verdades que apenas agora a Ciência está constatando. Enfim, para aqueles que chegarem, pelo uso do bom-senso, a esse ponto, será necessário demonstrar que o Espiritismo, como ciência muito bem instituída em sua época, formou-se da mesma forma que todas as outras ciências de observação, sendo, portanto, racional — tão racional quanto a busca, da física atual, pela existência da matéria negra ou da existência de outros universos, guiados por efeitos cujas causas não são, e talvez nunca sejam, diretamente observáveis. Eis o desafio.

E quanto ao Movimento Espírita materialista, apegado aos erros? Esse depende da vontade de cada um. Os Espíritos, nossos bons Espíritos protetores, nos intuem ou nos direcionam a situações, a obras, a pessoas, isto é, eles nos ajudam, quando sabem que temos um mínimo de disposição. A cada um cabe o interesse em investigar. A mim, não foi suficiente me conduzirem a um lar de idosos, em momento em que eu precisava de ajuda, onde, não obstante haver um predomínio de cultura religiosa católica, encontrei na estante alguns volumes da Revista Espírita! Não. Eu abri, folheei, mas, naquele momento, não fui adiante. Foi necessário passar o apuro, para, somente mais tarde, dar atenção a tal obra, pelo processo explicado anteriormente. Natural que cada um siga seu caminho, e devemos respeitar as escolhas de cada um. Talvez, aqueles que se apeguem e se fechem ao conhecimento, acreditem que estão fazendo o bem, tanto quanto muitos dos que queimavam obras científicas acreditavam estar fazendo o que era certo (o que não os exime de sua responsabilidade, mas o que atenua suas faltas, perante suas próprias consciências). Apresentemos o conhecimento, se desejarmos, mas, se desejarem queimá-lo, deixemo-los, enquanto fazemos a nossa parte. O tempo se encarrega de tudo.

Bem, escrevi bastante. Fico por aqui. Preciso colher alguns grãos que ficaram pelo caminho.




As adulterações em A Gênese após a morte de Kardec: fato ou questão de ponto de vista?

Por Paulo Degering Rosa Junior

A interpretação de texto é dependente da chave de leitura utilizada pelo leitor“, disse-nos uma correspondente envolvida em estudos, ainda hoje, sobre evidências que sugeririam ou comprovariam que a 5.ª edição de A Gênese não foi uma adulteração.

Com certeza – respondo eu – a interpretação depende do conhecimento do leitor. É possível até mesmo não entender a autonomia – fundamento da moral espírita – e, pelo contrário, depreender os falsos conceitos, como aqueles ligados ao carma. O que eu não vejo como questão de interpretação, porém, é a REMOÇÃO de trechos tão essenciais e importantes da obra, como aquele do item 24 do cap. XVIII (“Dizer que a humanidade está madura para a regeneração não significa que todos os indivíduos estejam no mesmo degrau…”) ou aquele que finaliza, na 4.ª edição, o item 19 do cap. III, a respeito dos instintos – “Todos os homens passam pelas paixões […]”. Além disso, temos a retirada ilógica do final do item 22 do cap. II, que explica o conceito da interação espiritual através do fluido perispiritual, indo em encontro à tese de Mesmer. Isso sem falar na carta manuscrita onde consta que, consultando os Espíritos, foi recomendado a Kardec que NADA fosse suprimido na nova edição.

Interessante, ademais, notar que se prende tanto às questões de A Gênese, fazendo um enorme silêncio sobre O Céu e o Inferno, que foi absurdamente destroçada, chegando a ficar contraditória., na 4.ª edição.

De verdade, eu não entendo como, ainda hoje, gasta-se tanto tempo nessa discussão que em nada agrega ao Espiritismo e à humanidade. Nós já sabemos que o Movimento Espírita foi completamente deturpado por pessoas como Leymarie, que também condenou o futuro da antes reconhecida Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas; já sabemos da influência perniciosa de Roustaing e de seus discípulos; já sabemos das publicações dos discípulos leais de Kardec, que sinalizavam, em berros escritos, os fatos que se passavam então (conforme Beacoup de Lumière, de Berthe Fropo, amiga íntima do casal); sabemos, também, que se chegou ao ponto de queimarem-se manuscritos preciosos de Kardec, também pelas mãos de Leymarie; conhecemos os fatos amplamente apresentados por Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec. Apesar de tantos fatos e evidências, para alguns grupos é inconcebível que as obras citadas não tenham sido adulteradas, e gastam preciosos tempo e recursos em pesquisas que apenas apontam para evidências de que Kardec planejava novas edições – o que é mais que racional.

Enquanto isso, a compreensão do Espiritualismo Racional, do Magnetismo, da Educação e do Espiritismo – tudo muito intrinsecamente ligado – fica esquecida em terceiro plano, ao passo que o Movimento Espírita continua preso às falsas ideias, materialistas, vindas desde Aristóteles até os dias de hoje – as mesmas ideias que destroçaram a filosofia inatacável apresentada pela Doutrina Espírita. Respeito o tempo e a vontade de cada um, afinal, falamos de autonomia e, espero, hoje compreendemo-la. Mas não consigo ver, nisso tudo, senão mais uma forma de atrasar o passo da doutrina, enquanto, vivendo ainda na heteronomia, milhares de pessoas “esperam” um posicionamento oficial de órgãos como a FEB, a respeito não só das adulterações das obras, mas do reconhecimento da distância que tomaram da essência filosófica, científica e moral do Espiritismo.

É isso.


Hoje, 25 de agosto de 2022, é o primeiro aniversário do Grupo de Estudos O Legado de Allan Kardec. Nesse último ano, com a cooperação imprescindível de companheiros valorosos, o Grupo felicita-se de ter aprendido tanto, se desenvolvido tanto e de, a cada dia mais, se tornar mais útil pela compreensão da essência verdadeira – moral, científica e filosófica – do Espiritismo.

O Grupo nasceu justamente após a leitura de O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato, que nos acendeu o alerta sobre os fatos que regularmente vimos destacando e comentando e esperamos que, daqui em diante, tenhamos forças e possibilidades de auxiliar cada vez mais na disseminação do verdadeiro caráter da Doutrina Espírita, afastado das falsas ideias, materialistas e dogmáticas.

Espiritismo não tem “lei do retorno”, “lei de ação e reação”, “carma”, “quitação de dívidas” ou qualquer ideia ligada ao dogma da queda pelo pecado; o Espiritismo demonstra que o Espírito é o autor, o fator determinante da vontade, não estando submetido – embora seja influenciado – pela matéria. Demonstra, acima de tudo, o princípio da autonomia e do livre-arbítrio, afastado dos falsos conceitos de um Deus punitivo ou de um diabo inquisidor.

Estudemos!




A distância entre o Espiritismo e o Movimento Espírita

Uma correspondente questionou a respeito do que seria essa suposta distância, por nós sempre afirmada, entre a Doutrina Espírita e o Movimento Espírita.

A ela, podemos responder desta forma, para exemplificar para todos:

“B…, isso é algo que cada um precisa realmente estudar ou buscar se informar, principalmente sobre as obras citadas ((

  • No sentido das alterações doutrinarias: O Legado de Allan Kardec, de Simoni Privato; Nem Céu Nem Inferno, de Paulo Henrique de Figueiredo; Ponto Final, de Wilson Garcia
  • No sentido do conhecimento sobre o contexto doutrinário: Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, de Paulo Henrique de Figueiredo;
  • No entendimento real da Doutrina, na essência proposta por Kardec, através dos estudos: O Céu e o Inferno e A Gênese, ambos da editora FEAL, pois os outros são as versões adulteradas, ainda.)) , porque compreender e, daí, assumir novo posicionamento, precisa ser uma ação autônoma. Contudo, posso ressaltar algumas diferenças capitais entre Doutrina Espírita (DE) e Movimento Espírita atual (ME):

  • Evocações dos espíritos: DE foi formada sobre elas e demonstrou a necessidade de serem realizadas, com método, para continuar seu desenvolvimento; ME recomenda não fazer, provocando uma onda de médiuns que ficam apenas “à disposição”, portanto, sem controle nem objetivo de aprendizado.
  • Generalidade do ensino: DE demonstrou a necessidade de desenvolver o estudo espírita através do método do duplo controle: universalidade e concordância do ensino e julgamento racional; ME, contagiada por Roustaing, que via um perigo nesse método (que desmentiria suas teorias), passou a tomar comunicações isoladas como expressão da verdade, sem raciocinar.
  • Vida do Espírito na erraticidade: DE demonstrou que emoções e sensações físicas somente existem para o Espírito apegado; ME passou a ensinar um mundo espiritual totalmente materializado, criando, assim, ideias de apego nocivas ao Espírito que desencarna.
  • Necessidade da encarnação: DE demonstrou que a encarnação é uma necessidade para o progresso do Espírito, na qual ele, mesmo que involuntariamente, faz seu papel solidário na criação. Afastou os conceitos de castigo e punição como uma ação arbitrária de Deus, demonstrando que tudo é fruto da escolha do Espírito consciente; ME, sob influência roustainguista, inseriu os falsos conceitos de carma, resgate, lei de ação e reação e lei do retorno.
  • Heteronomia x autonomia: DE demonstrou, em toda ela, que o Espírito se desenvolve de forma autônoma, sendo ele o autor primeiro, senão o único, de suas escolhas; ME, influenciada por Roustaing, passou a tratar da vida de forma heterônoma – se sofro é porque estou recebendo o retorno; se tenho alegria é porque fui abençoado, etc.
  • Caridade: DE demonstrou que a caridade é uma ação desinteressada, fruto do dever do Espírito que, conscientemente, se move em direção ao bem; ME passou a tratar da caridade como uma ação externa, quase sempre apenas material. Por ausência de estudos da DE, ME deixa de fazer o bem que poderia fazer para auxiliar no desenvolvimento da sociedade pelas ideias espíritas.
  • Moral: DE demonstrou que, todos criados simples e ignorantes, os Espíritos se desenvolvem errando e acertando, através das encarnações, escolhendo entre agir desta ou daquela forma. Não há dualidade entre bem e mal. Alguns escolhem repetir o erro, desenvolvendo imperfeições das quais muito custarão a se desvencilhar, através do trabalho reencarnatório, em uma ação consciente e autônoma; ME, influenciada por Roustaing, passou a tratar da encarnação como um castigo, como se todos os Espíritos que encarnam fossem imperfeitos.
  • Método: DE sempre demonstrou a forma como ela própria se desenvolveria: pelo estudo das ciências humanas, confrontadas, pela razão, com os ensinamentos espíritas, na troca de informações com grupos idôneos espalhados por todo o mundo; já a ME praticamente não estuda os fundamentos da DE, se isolou nos centros em rotinas que compreendem: monólogos, quase sempre recheados de todos os erros apontados anteriormente; passes, sem conhecimento do magnetismo; e sessões mediúnicas que, sem método e sem estudos, perdem o propósito e a utilidade que realmente poderiam ter.

E por aí vai.”

Vemos que as diferenças entre a Doutrina Espírita, em sua origem, e o que hoje professa ou acredita o Movimento Espírita, são profundas e, quase sempre, danosas à propagação da Doutrina. Cabe, portanto, o esforço voluntário de cada um no estudo honesto e desapegado, bem como na divulgação fraterna e cooperativa do conhecimento.

Complementando as obras citadas, não podemos deixar de apontar a necessidade do estudo da Revista Espírita, que demonstra como se deu a formação da Doutrina Espírita.




Em defesa de Allan Kardec: sobre as adulterações

Estou me afastando totalmente da discussão a respeito de provas e evidências das adulterações em suas obras. É minha opinião de que se tornaram uma enorme perda de tempo. Explico:

De início, ao meu ver, provas e evidências da adulteração foram muito contundentes((Fatos detalhadamente apresentados em “O Legado de Allan Kardec”, de Simoni Privato, e “Nem céu, nem inferno”, de Paulo Henrique de Figueiredo e Lucas Sampaio.)).

Depois, surgiram evidências que poderiam indicar que não ocorreram adulterações e que tudo foi fruto do trabalho do próprio Kardec, segundo a interpretação de alguns, e isso levado por indícios e evidências de que ele, Kardec, tinha a clara intenção de publicar novas edições, com alterações, de O Céu e o Inferno e de A Gênese. Eu destaco que, a meu ver, até o momento, todas as evidências apontam que Kardec, ao menos em A Gênese, teria iniciado um trabalho nesse sentido, trabalho esse que nunca foi concluído e que deu espaço, justamente, a quem quer que teria a intenção de causar estragos da única forma possível em uma Doutrina inatacável: adulterando-se seus postulados, em sua origem.

Há quem discorde, claro. Mas tem um grande porém, nesse assunto, que não consigo ignorar: a questão justamente ligada à ciência espírita e a Allan Kardec como o probo, perspicaz, paciente, cuidadoso e honesto cientista que foi. De duas, uma: ou ele escreveu coisas muito importantes e sérias sob uma ansiedade que ele nunca teve, tendo depois retrocedido em suas opiniões — o que demonstraria uma grave falha em seu método e representaria um grande perigo para toda a Doutrina Espírita — ou ele foi muito cuidadoso, até o fim, e só concluiu o que deveria ser concluído, após anos de pesquisa e sob a orientação dos Espíritos superiores, como ele sempre buscou fazer.

Ora, ele mesmo disse, anos antes da publicação dessas obras, que certos assuntos doutrinários precisavam ainda aguardar alguns anos e que ele não publicaria nada muito cedo, sem que o desenvolvimento da Doutrina desse lugar a isso. O Céu e o Inferno e A Gênese foram, justamente, essa conclusão. Não vejo como, portanto, principalmente na primeira obra, fazer mudanças que, em certos pontos, alteram completamente o entendimento da ideia e que, em A Gênese, fazem o conceito ou postulado doutrinário ficarem incompletos ou mal entendidos. Mas não é só: Kardec foi muito austero nessas duas obras, justamente no que tange aos pontos mais sensíveis, e que davam motivo a temer nos adversários do Espiritismo, e foi justamente nesses pontos onde houveram as “alterações”.

Vamos a alguns exemplos:

Em A Gênese, capítulo III, item 19, a partir da 5.ª edição, o texto encontra-se assim:

“O homem que só pelo instinto agisse constantemente poderia ser muito bom, mas conservaria adormecida a sua inteligência. Seria qual criança que não deixasse as andadeiras e não soubesse utilizar-se de seus membros. Aquele que não domina as suas paixões pode ser muito inteligente, porém, ao mesmo tempo, muito mau. O instinto se aniquila por si mesmo; as paixões somente pelo esforço da vontade podem domar-se.

Contudo, na 4.ª edição, hoje recuperada e traduzia para o português pela editora FEAL, existe o seguinte complemento:

Todos os homens passam pelas paixões. Os que as superaram, e não são, por natureza, orgulhosos, ambiciosos, egoístas, rancorosos, vingativos, cruéis, coléricos, sensuais, e fazem o bem sem esforços, sem premeditação e, por assim dizer, involuntariamente, é porque progrediram na sequência de suas existências anteriores, tendo se livrado desse incômodo peso. É injusto dizer que eles têm menos mérito quando fazem o bem, em comparação com os que lutam contra suas tendências. Acontece que eles já alcançaram a vitória, enquanto os outros ainda não. Mas, quando alcançarem, serão como os outros. Farão o bem sem pensar nele, como crianças que leem correntemente sem ter necessidade de soletrar. É como se fossem dois doentes: um curado e cheio de força enquanto o outro está ainda em convalescença e hesita caminhar; ou como dois corredores, um dos quais está mais próximo da chegada que o outro.

Kardec, A Gênese, 4.ª edição — Editora FEAL

Ora, parece crível que Kardec tirasse essa conclusão tão importante, profunda e libertadora desse postulado?

Um pouco mais adiante, no capítulo XVIII, “Os tempos são chegados”, o seguinte trecho foi suprimido (removido) a partir da 5.ª edição da obra. Leia com atenção:

Dizer que a humanidade está madura para a regeneração não significa que todos os indivíduos estejam no mesmo degrau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão desabrochar. Então, eles se mostrarão mais avançados do que se possa supor e seguirão com empenho a iniciativa da maioria. Há, entretanto, os que são essencialmente refratários a essas ideias, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente não as aceitarão, pelo menos nesta existência; em alguns casos, de boa-fé, por convicção; outros por interesse. São aqueles cujos interesses materiais estão ligados à atual conjuntura e que não estão adiantados o suficiente para deles abrir mão, pois o bem geral importa menos que seu bem pessoal — ficam apreensivos ao menor movimento reformador. A verdade é para eles uma questão secundária, ou, melhor dizendo, a verdade para certas pessoas está inteiramente naquilo que não lhes causa nenhum transtorno. Todas as ideias progressivas são, de seu ponto de vista, ideias subversivas e, por isso, dedicam a elas um ódio implacável e lhe fazem uma guerra obstinada. São inteligentes o suficiente para ver no Espiritismo um auxiliar das ideias progressistas e dos elementos da transformação que temem e, por não se sentirem à sua altura, eles se esforçam por destruí-lo. Caso o julgassem sem valor e sem importância, não se preocupariam com ele. Nós já o dissemos em outro lugar: “Quanto mais uma ideia é grandiosa, mais encontra adversários, e pode-se medir sua importância pela violência dos ataques dos quais seja objeto”.

Kardec, A Gênese, 4.ª edição — Editora FEAL

Se a supressão desse trecho não parece algo realizado justamente por um adversário da Doutrina, não sei o que mais pareceria.

Já em O Céu e o Inferno, a partir da 4.ª edição, temos, dentre outras coisas, a supressão de importantes postulados, como estes (cap. VIII):

Pelos exemplos que o Espiritismo coloca diante de nossos olhos, ensina-nos que a alma no mundo invisível sofre por todo o mal que fez, assim como por todo o bem que poderia ter feito e não fez durante sua vida terrestre. Que a alma não é condenada a uma penalidade absoluta, uniforme e por um tempo determinado, mas que sofre as consequências naturais de todas as suas más ações, até que se tenha melhorado pelos esforços da sua própria vontade. Ela carrega em si mesma seu próprio castigo, e isso onde quer se encontre, para o que não há necessidade de um lugar circunscrito. O Inferno, então, está onde quer que existam almas sofredoras, como o Céu está em toda parte onde existam almas felizes, o que não impede que umas e outras se agrupem, por afinidade de posição, ao redor de certos pontos.

O Céu e o Inferno, Cap. IV, item 6.º, parágrafo suprimido na adulteração, p. 85

Sendo todos os espíritos perfectíveis, em virtude da lei do progresso, trazem em si os elementos de sua felicidade ou de sua infelicidade futura e os meios de adquirir uma e de evitar a outra trabalhando em seu próprio adiantamento.

Allan Kardec, O Céu e o Inferno, 3.ª edição — Editora FEAL

Constatamos, então, uma grande perda, pela supressão desses postulados. Há diversos outros pontos, que, de acordo com certo entendimento, podem até ser ressignificados sob uma possível autoria de Allan Kardec, mas o fato é que existem, também nessa obra, alterações estranhas e que não fazem sentido. Basta comparar o capítulo “As penas futuras segundo o Espiritismo“, de O Céu e o Inferno, completamente desfigurado na “alteração”.

Tem mais: admitir que as todas as alterações existentes nessas obras foram realizadas por Kardec, significa dizer que ele teria realizado um erro grotesco, e não apenas uma vez, mas duas: não ter obtido a permissão necessária, do governo, para a impressão de novas edições dessas obras. Nunca conheci esse Kardec descuidado e afoito que têm apresentado por aí.

Conhecendo um pouquinho da face extremamente séria, conscienciosa e cuidadosa do professor Rivail quanto a essa ciência (como com as outras), não posso admitir as teorias das alterações por seu próprio punho, sobretudo das supressões, e, do ponto de vista científico, tudo o que vi até agora, sem contar as conclusões forçadas sob cadeias de lógica com alguns problemas, no máximo, indica uma intenção de editar uma nova edição, o que nunca foi concluído e que, justamente, deu lugar às adulterações posteriores à sua morte, através da alteração do tipos móveis((peças utilizadas para realizar impressões prévias, naquele tempo. Essas impressões eram analisadas e corrigidas, através da alteração dos tipos (letras, pontuações, etc.) e, quando se verificava que a obra estava finalizada, eram utilizadas para a impressão da matriz, sendo esta utilizada para a impressão em larga escala)) existentes.

Aliás, de posse dos manuscritos de Kardec, disponibilizados pelo CDOR, da FEAL, foi possível identificar que:

Algumas cartas manuscritas demonstram que, em fevereiro de 1868, Kardec estava interessado em acrescentar trechos em A Gênese, pois era de seu costume, depois de um tempo do lançamento, revisar suas obras. Para isso, pediu conselhos aos espíritos para organizar esse trabalho.

Alguns amigos espirituais deram orientações para uma revisão da obra, com a expressa indicação para não alterar em nada as questões doutrinárias, como se percebe pelos seguintes trechos desta comunicação:

Minha opinião é que não há absolutamente nada de doutrina a ser retirado; tudo aí é útil e satisfatório sob todos os aspectos” e

É necessário deixar intactas todas as teorias que aparecem pela primeira vez aos olhos do público”.

No caso, além da demonstração jurídica da adulteração de A Gênese, também esta comunicação reforça o fato em razão das alterações doutrinárias identificadas na obra, com a supressão de diversos trechos em que Kardec critica a moral heterônoma do fanatismo religioso, dentre outras manipulações.

Ainda nesta comunicação, o espírito sugeriu também que ele trabalhasse sem pressa e sem dedicar muito tempo:

Sobretudo, não se apresse demais. (…) Comece a trabalhar imediatamente, mas não de forma exagerada. Não se apresse”.

https://espirito.org.br/autonomia/ncni-conselhos-sobre-a-genese/

Ora, o que observamos nas alterações de A Gênese, senão pressa e descuido?

Essa recomendação era justificada porque Kardec, em meio a sua difícil condição de saúde, tinha questões prioritárias para se preocupar, como a Revista Espírita e o projeto para a continuidade do Espiritismo através da fase de direção coletiva.

Essa é minha conclusão. Contudo, podemos até chegar a dizer que essas questões de adulteração ou não são um mero “detalhe”, um “tropeço” mesmo, que será superado quando a ciência for restaurada em sua essência. Ora, essa essência segue inalterada e está disponível para o nosso estudo. Basta estudá-la, de forma honesta, pois o homem honesto e humilde se rende frente aos resultados da investigação científica. Mas, finalizo, esse estudo precisa ser contextualizado, e um dos maiores pesquisadores desse contexto, Paulo Henrique de Figueiredo, está sendo colocado para baixo do tapete, por muitos, apenas porque ele compartilha da opinião da adulteração. E essa atitude, definitivamente, não é ciência.




O papel do pesquisador e do médium nas comunicações com os Espíritos

Neste estudo em grupo, tratamos do artigo em questão de uma forma um tanto diferente, pois notamos que ele nos dava ensejo a um aprofundamento bastante importante a respeito da mediunidade e das diferenças existentes entre como ela era tratada no Espiritismo, como doutrina científica nascida da observação racional dos fatos e das comunicações espíritas (espirituais) e como ela é tratada hoje. Assim, abordamos os seguintes tópicos principais:

  • Qual é a influência do médium na comunicação?
  • Animismo e o medo de ser médium
  • Podemos e devemos julgar as comunicações mediúnicas? De que forma?
  • Mitos: não podemos evocar Espíritos; evocar Espíritos provoca obsessões
  • Lições aprendidas: a distância entre o “movimento espírita” atual e o Espiritismo original; a necessidade da retomada dos estudos

Baseado no artigo “Espíritos impostores — o falso Padre Ambrósio” — Revista Espírita de julho de 1858

Esperamos que, tanto o vídeo de nosso debate, quanto esta leitura, sejam de grande proveito para você!

Os escolhos da mediunidade

Reconhecemos: estudar Kardec por conta própria, nem sempre é fácil. É uma linguagem difícil e, muitas vezes, repleta de referências a neologismos e ao contexto no qual o professor Rivail estava inserido, de forma que se faz muito oportuna tal contextualização¹, em primeiro plano, quanto o emprego de pesquisas na web, durante a leitura.

“Escolho” significa, no sentido figurado, uma dificuldade. E Kardec abre o referido artigo falando sobre tais dificuldades:

Um dos escolhos apresentados pelas comunicações espíritas é o dos Espíritos impostores, que podem induzir em erro quanto a sua identidade e que, ao abrigo de um nome respeitável, tentam passar os mais grosseiros absurdos. Em muitas ocasiões esse perigo nos tem sido explicado. Entretanto, ele nada é para quem perscruta tanto a forma quanto o conteúdo da linguagem dos seres invisíveis com os quais entra em comunicação. […] Nada é mais fácil do que se premunir contra fraudes semelhantes, por menor que seja nossa boa vontade.

Kardec parece tornar bastante simples, banal mesmo, essa tarefa de identificar a comunicação de um Espírito impostor, não? Mas por que, então, hoje em dia, tantos absurdos tem sido aceitos, via comunicações mediúnicas, como se fossem a legítima expressão de um Espírito sério e honesto, conhecedor das verdades absolutas?

Acontece que o “movimento espírita” (eu chamo de movimento a fim de distinguir o Espiritismo daquilo que fazem os seus adeptos, nem sempre bem informados e conhecedores da Doutrina) anda bastante esquecido dos postulados mais básicos da Doutrina dos Espíritos. Ora, logo no início da segunda parte de O Livro dos Espíritos, nos itens 100 a 113, Kardec nos apresenta, didaticamente, uma escala geral, nomeada por ele “Escala Espírita“, onde, agrupando de uma forma mais ou menos geral, o caríssimo professor nos demonstra as características gerais dos Espíritos em suas diferentes escalas evolutivas, agrupando-os em três ordens principais: Espíritos Imperfeitos (terceira ordem), Espíritos Bons (segunda ordem) e Espíritos Puros (primeira ordem).

Constatado é, até mesmo pela observação lógica de nossa condição evolutiva, que nós nos colocamos em contato principalmente os os Espíritos das duas últimas ordens, especialmente com os da terceira, com os quais mais facilmente nos afinizamos mentalmente. Também é fato conhecido que os Espíritos se diferem de nós, encarnados, apenas por não terem a constrição do corpo físico e, pela ausência deste, terem o pensamento mais liberto, em geral, do abafamento do cérebro físico. Portanto, assim como nós, eles não mudam de opinião ou de conhecimentos simplesmente por deixarem a matéria por meio da desencarnação e, assim como nós, podem falar do que sabem, do que acreditam que sabem ou, então, podem procurar enganar, por maldade ostensiva ou por orgulho em querer dizer do que reconhecidamente não sabem.

Nós já reproduzimos a Escala Espírita em um artigo anterior, mas vamos destacar alguns detalhes importantes dessa terceira ordem de Espíritos, que é onde se concentram os problemas nas comunicações mediúnicas.

Como se comunicam os Espíritos da terceira ordem – Espíritos Imperfeitos

Décima Classe – Espíritos Impuros

São inclinados ao mal, com o que se preocupam. Dão conselhos traiçoeiros, desleais, sopram a discórdia e a desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar.

Na linguagem, são triviais, grosseiros, apresentam baixeza de inclinações e não conseguem enganar por muito tempo com uma falsa sensatez.

Nona Classe – Espíritos Levianos

São ignorantes, malévolos, inconsequentes e zombeteiros. Metem-se em tudo, respondem a tudo, sem se preocupar com a verdade. Gostam de causar pequenos aborrecimentos e pequenas alegrias; de produzir discórdias; de induzir maliciosamente ao erro por mistificações e por travessuras.

Suas comunicações são quase sempre espirituosas e alegres, mas quase sempre sem profundidade.

Oitava Classe – Espíritos pseudossábios

Dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém, creem saber mais do que realmente sabem.

É uma mistura de algumas verdades com os erros mais absurdos, através dos quais penetram a presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de que ainda não puderam despir-se.

Ora, temos, aqui, um conhecimento de base já bastante importante a respeito da forma como se expressam esses Espíritos, não? E é claro que, como bons espíritas, não pararemos aqui e buscaremos estudar O Livro dos Espíritos e as demais obras, a fim de adquirir ainda mais conhecimentos que possam auxiliar no nosso contato com os Espíritos. Afinal, não é à toa que Kardec, na introdução de O Livro dos Médiuns, começa assim:

Todos os dias a experiência nos traz a confirmação de que as dificuldades e os desenganos, com que muitos topam na prática do Espiritismo, se originam da ignorância dos princípios desta ciência, e feliz nos sentimos de haver podido comprovar que o nosso trabalho, feito com o objetivo de precaver os adeptos contra os escolhos de um noviciado, produziu frutos e que à leitura desta obra devem muitos o terem logrado evitá-los.

Natural é, entre os que se ocupam com o Espiritismo, o desejo de poderem pôr-se em comunicação com os Espíritos. Esta obra se destina a lhes achanar o caminho, levando-os a tirar proveito dos nossos longos e laboriosos estudos, porquanto muito falsa ideia formaria aquele que pensasse bastar, para se considerar perito nesta matéria, saber colocar os dedos sobre uma mesa, a fim de fazê-la mover-se, ou segurar um lápis, a fim de escrever.

Uma coisa é certa: Kardec não tinha tempo a perder com palavras vazias destinadas a enfeitar um orgulho ou uma vaidade que, conforme ficou muito bem demonstrado, ele não as tinha. Portanto, temos nós é que deixar o orgulho de lado e nos dedicar a estudar, ao invés de ficarmos achando que sabemos de tudo simplesmente por termos qualquer contato prático com os Espíritos! Dessa forma, fica muito mais fácil julgar uma comunicação espiritual ou tentar penetrar a real face do Espírito que se comunica – e Kardec, nesse mesmo artigo (do falso Pe. Ambrósio) vai dar uma lição simples e clara de como fazê-lo. Trataremos disso mais à frente.

Como lidar com Espíritos mistificadores?

Mistificar significa enganar, ludibriar. E vamos destacar duas perguntas feitas por Kardec, diretamente ao Espírito mistificador (o do falso Pe. Ambrósio, que ele havia evocado) que trazem questões importantes, tratadas a seguir.

“14. ─ Que pensas do que disseste em seu nome?

Penso como pensavam os que me escutavam.”

A questão aqui é: quem os escutava? O médium estaria o escutando, necessariamente? Em outras palavras: seria culpa daquele médium aquela falsa comunicação?

“16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença?

Porque minha linguagem é uma pedra de toque [material utilizado para avaliar a pureza de um material], com a qual não vos podeis enganar.”

Por que naquele meio (o de Kardec) aquele Espírito afirma que não conseguiria enganar?

Mas, para responder a essas perguntas, vamos avançar em nossas reflexões, o que deixará muito claras as respostas.

Animismo

Pensamos ser importante levantar, aqui, a questão do animismo, já que é algo que persegue e tira o sono de muitos médiuns e dirigentes de grupos espíritas. O animismo é o conceito no qual o médium apresenta conteúdos próprios, de seus próprios pensamentos, ao invés de apresentar puramente o pensamento do Espírito que se comunica.

É algo que, realmente, acontece muito, sendo motivo de muitos medos, como dissemos, pois criou-se a hipótese de que o médium precisa ser uma ferramenta totalmente passiva para a comunicação espiritual. Isso não deixa de ser uma verdade, quando falamos na comunicação de um Espírito através de um médium. Contudo, não deve ser transformada em ferramenta de perseguição ou autoperseguição. A importância da questão, aqui, está ligada à honestidade do médium:

  • Quando o médium age de forma totalmente honesta, buscando ser uma boa ferramenta para os Espíritos, despido de vaidade e de orgulho, sua mediunidade poderá ser desenvolvida mediante à prática e favorecida pelo estudo. Assim, em mais ou menos tempo, as comunicações dadas através dele serão cada vez mais “limpas”, expressando o pensamento original do Espírito. Não deve, portanto, o animismo, nesse caso, ser algo a se temer, pois está relacionado ao grau do desenvolvimento da mediunidade, considerando que, nos primeiros estágios, o médium comumente completará pensamentos ou os traduzirá segundo ideias próprias, que não necessariamente são contrárias às do Espírito.

  • Quando o médium age conscientemente (sob o olhar da lucidez material) expressando ideias que não são de um Espírito, isto é, quando ele não está agindo como médium, mas apenas por si próprio, em estado de vigília, mas tenta enganar, como se fosse uma comunicação mediúnica, expressando os mais terríveis disparates, este sim é um caso grave, um problema diretamente ligado à moral do médium, que precisa ser tratado com fraternidade mas com firmeza, a fim de que esse médium não ponha a harmonia do grupo em cheque. Quando age de forma isolada, nesse caso, é preciso que apenas não seja levado de forma séria, como, infelizmente, muitos espíritas tem feito.

O médium honesto deve aprender que, sempre que estiver desconcentrado ou que não se comunique nenhum Espírito, deve informar ao grupo, sem nenhum medo de ser atingido em um amor-próprio que, nesse caso em especial, jamais deveria existir. Infelizmente, os centros espíritas atuais, com as reuniões mediúnicas abertas ao público, fizeram cair sobre os ombros dos médiuns uma responsabilidade deletéria de ter que estar sempre pronto e à disposição para os fenômenos mediúnicos, o que não é lógico, já que, sendo a mediunidade uma capacidade radicada no organismo, como uma sexto sentido, também pode apresentar entraves diversos, assim como um resfriado pode tirar nossa capacidade olfativa.

Mas há um terceiro aspecto a se considerar: às vezes o animismo pode ser bem-vindo, conforme fica expresso na seguinte questão de O.L.M. (O Livro dos Médiuns):

223 – 2.ª. As comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio Espírito encarnado no médium?

“A alma do médium pode comunicar-se, como a de qualquer outro. Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de Espírito.[…] Porque, ficai sabendo, entre os Espíritos que evocais, alguns há que estão encarnados na Terra. Eles, então, vos falam como Espíritos e não como homens. Por que não se havia de dar o mesmo com o médium?”

De tal forma, se o Espírito do próprio médium pode comunicar-se – o que acontece mais facilmente nos estados de sonambulismo e de êxtase, conforme a resposta à pergunta 223-3a deixa claro – é claro que poderá também trazer conhecimentos válidos e importantes, da mesma forma que faria um Espírito liberto da matéria.

Creio que o assunto do animismo está relativamente bem entendido pelo que foi exposto. Mas e a respeito do medo que médium pode ter de transmitir uma comunicação de baixo teor, isto é, uma comunicação frívola, de linguajar indecente ou enganosa? Cremos que a abordagem seguinte responderá bem a esse respeito.

Influência moral do médium

Levantada a questão do medo que o médium pode ter de dar lugar a uma comunicação de teor menos elevado, precisamos refletir a respeito do papel do médium nesse sentido. Kardec aborda, claro, esse questionamento em OLM, buscando identificar a ligação da moral do médium com a capacidade mediúnica. Vejamos:

226. 1.ª. O desenvolvimento da mediunidade guarda relação com o desenvolvimento moral dos médiuns?

“Não; a faculdade propriamente dita se radica no organismo; independe do moral. O mesmo não se dá, porém, com o seu uso, que pode ser bom, ou mau, conforme as qualidades do médium.”

5.ª. Nas lições ditadas, de modo geral, ao médium, sem aplicação pessoal, não figura ele como instrumento passivo, para instrução de outrem?
“Muitas vezes, os avisos e conselhos não lhe são dirigidos pessoalmente, mas a outros a quem não nos podemos dirigir, senão por intermédio dele, que, entretanto, deve tomar a parte que lhe caiba em tais avisos e conselhos, se não o cega o amor-próprio.

A questão primeira reforça o que dissemos a respeito de a faculdade mediúnica estar radicada no organismo, o que significa que tanto o bom quanto o mau podem ser médiuns de maior ou menor capacidade. Contudo – e aí está o principal objetivo da faculdade mediúnica – o bom ou o mau uso que fazemos dela é que dará os rumos de nossa moral e da vontade de utiliza-la para o progresso próprio, a serviço da humanidade, ou não.

A questão quinta diz assim: o médium, por mais que seja intrumento passivo, precisa estar sempre atento para as comunicações que intermedia, pois, por mais que sejam direcionadas a outrem, podem ter aplicação pessoal – o que reforça o pensamento anterior.

226. 6.ª. Visto que as qualidades morais do médium afastam os Espíritos imperfeitos, como é que um médium dotado de boas qualidades transmite respostas falsas, ou grosseiras?

“Conheces, porventura, todos os escaninhos da alma humana? Demais, pode a criatura ser leviana e frívola, sem que seja viciosa. Também isso se dá, porque, às vezes, ele necessita de uma lição, a fim de manter-se em guarda.”

A questão sexta aponta que, muitas vezes, uma comunicação de baixo teor pode se dar pela simpatia dos médiuns com Espíritos que pensem como ele ou que tenham as mesmas inclinações, mesmo que isso não seja visível no médium, no dia-a-dia. Também podem se dar porque ele, às vezes, precisa de uma lição para se manter em guarda, ou então, supomos, para que o grupo de estudos se mantenha em guarda, pois supomos que um bom médium ainda assim possa intermediar uma comunicação desse teor a fim de colocar à prova a atenção daquele grupo.

Tudo isso, porém, é muito válido se o grupo ou o indivíduo estão atentos e se tratam com seriedade e honestidade das comunicações. Caso contrário, tais comunicações, que acontecerão com mais frequência, levarão à queda de um ou de outro.

226. 8.ª. Será absolutamente impossível se obtenham boas comunicações por um médium imperfeito?

“Um médium imperfeito pode algumas vezes obter boas coisas, porque, se dispõe de uma bela faculdade, não é raro que os bons Espíritos se sirvam dele, à falta de outro, em circunstâncias especiais; porém, isso só acontece momentaneamente, porquanto, desde que os Espíritos encontrem um que mais lhes convenha, dão preferência a este.”

Os Espíritos se comunicam no meio simpático a eles, de preferência.

Nota. Deve-se observar que, quando os bons Espíritos veem que um médium deixa de ser bem assistido e se torna, pelas suas imperfeições, presa dos Espíritos enganadores, quase sempre fazem surgir circunstâncias que lhes desvendam os defeitos e o afastam das pessoas sérias e bem-intencionadas, cuja boa-fé poderia ser laqueada. Neste caso, quaisquer que sejam as faculdades que possua, seu afastamento não é de causar saudades.

Um médium de moral complicada mas de boas capacidades mediúnicas pode ser utlizado por bons Espíritos em situações específicas, como quando não há outro ou quando os Espíritos julgam que produzirão um bem ou que poderão evitar um mal ao fazê-lo. Fora disso, se afastam.

A nota de Kardec diz tudo: se um médium, por suas inclinações, deixa de ser bem assistido (por bons Espíritos) e se torna presa de Espíritos inferiores, é, pelos próprios bons Espíritos, afastado das pessoas sérias e bem intencionadas.

Conclusões sobre a influência moral do médium

  • Um médium de boa moral pode ser alvo de um Espírito mistificador. Isso pode se dar como um alerta, como no caso que Kardec vai abordar.
  • Um médium de moral “questionável” pode ser utilizado, se tiver uma mediunidade poderosa, por um Espírito elevado. Contudo, muito mais frequentemente será alvo de Espíritos inferiores, que acabarão por fazê-lo tombar, sobretudo quando utiliza da própria mediunidade para fins “questionáveis”.

O Falso Padre Ambrósio

Kardec, com a finalidade de estudar o problema, aborda o caso ocorrido na Spiritualiste de la Nouvelle-Orléans (clique aqui para baixar o original, em Francês), onde dois Espíritos engandores haviam se fazido passar pelo Padre Ambrósio e por Clemente XIV, tecendo um diálogo por demais frívolo e vazio.

Kardec faz, então, a evocação dos três Espíritos: O verdadeiro Padre Ambrósio, o falso Pe. Ambrósio e o falso Clemente XIV, mas, antes, declara:

Apressemo-nos, entretanto, em declarar que esse círculo não recebe apenas comunicações de tal ordem; há outras de caráter muito diverso, nas quais encontramos toda a sublimidade do pensamento e da expressão dos Espíritos superiores.

Como é possível verificar na revista original e também na tradução livre feita pela nossa colaboradora, Ariane, na segunda parte (terceira página do documento), as comunicações do verdadeiro Pe. Ambrósio são de cunho bastante mais elevado e profundo.

A conversa de Kardec com os Espíritos e nossas reflexões

Ao Espírito do verdadeiro Pe. Ambrósio:

5. ─ Como pudestes permitir coisas semelhantes em vosso nome? Por que não viestes desmascarar os impostores?

─ Porque nem sempre posso impedir que homens e Espíritos se divirtam.

6. ─ Compreendemo-lo quanto aos Espíritos. Mas, quanto às pessoas que recolheram as palavras, são gente séria; não buscavam divertimentos.

─ Uma razão a mais. Eles deviam pensar logo que tais palavras não poderiam deixar de ser a linguagem de Espíritos zombeteiros.

Nem sempre os bons Espíritos podem impedir tais situações, pois, acima de tudo, respeitam o livre-arbítrio dos demais. Além disso, podem permitir tais situações a fim de que sirva de alerta para o grupo ou indivíduo.

7. ─ Por que os Espíritos não ensinam em Nova Orleans, princípios perfeitamente idênticos aos que aqui ensinam?

─ Em breve lhes servirá a doutrina que vos é ditada. Haverá apenas uma.

8. ─ Desde que essa doutrina deverá ser ali ensinada mais tarde, parece-nos que se o fosse imediatamente aceleraria o progresso e evitaria que alguns tivessem dúvidas prejudiciais.

─ Os desígnios de Deus são sempre impenetráveis. Não há outras coisas que, à vista dos meios que ele emprega para atingir seus objetivos, parecem-vos incompreensíveis? É preciso que o homem se habitue a distinguir o verdadeiro do falso. Nem todos poderiam receber a luz de um jacto sem serem ofuscados.

O Espírito do verdadeiro Pe. Ambrósio deixa claro: a Doutrina Espírita encontrou, na França e no contexto Kardec, a base necessária para se fazer luzir com toda a força, sem ofuscar, já que as ciências estavam muito bem preparadas para receber seus ensinamentos, tratando-os racionalmente e com método científico.

Uma grande lição de Kardec

Falávamos, antes, sobre a necessidade de buscar distinguir as comunicações dos Espíritos, identificando se são honestas ou produtos de enganações e se são de Espíritos mais ou menos sábios (lembrando que uma comunicação pode ser séria e honesta, mas, ainda assim, de pouca ou nenhuma sabedoria). Vejamos, então, as seguintes perguntas e respostas trocadas entre Kardec e o verdadeiro Pe. Ambrósio:

 9. ─ Teríeis a bondade de nos dar vossa opinião pessoal relativamente à reencarnação?  

Os Espíritos são criados ignorantes e imperfeitos. Uma única encarnação não bastaria para que tudo aprendessem. É necessário que reencarnem, a fim de gozarem a felicidade que Deus lhes reserva.  

10. Dá-se a reencarnação na Terra ou somente em outros globos?  

A reencarnação se dá conforme o progresso do Espírito, em mundos mais perfeitos ou menos perfeitos.  

11. Isto não esclarece se pode ocorrer na Terra.  

Sim, pode ocorrer na Terra, e se o Espírito a pede como missão, ser-lhe-á mais meritório do que se a pedisse para avançar mais rapi­damente em mundos mais perfeitos.

Ora, Kardec estava falando sobre um assunto completamente diferente. De repente, começa a perguntar sobre reencarnação? Por que?

Simples: porque ele estava buscando sondar os conhecimentos daquele Espírito, a fim de saber se estava realmente falando com um Espírito sábio ou se falava com um Espírito enganador. Brilhante, não? É assim que deveríamos proceder, ainda hoje e sempre, mas, para isso, é preciso que estejamos atentos, que tenhamos conhecimentos e que saiamos da condição de simples espectadores passivos das comunicações espirituais.

Kardec continua, perguntando, agora, ao falso Pe. Ambrósio:

15. ─ Por que te serviste de um nome respeitável para dizer semelhantes tolices?

Aos nossos olhos os nomes nada valem. As obras são tudo. Como pelo que eu dizia, podiam ver o que eu era realmente, não liguei importância à substituição do nome.

Veja só: o Espírito enganador sabe que os “ouvintes” (sabemos que era através da psicografia a comunicação) poderiam julgar quem ele realmente era, através do que expressava. Portanto, não ligou qualquer importância por utilizar o nome do Pe. Ambrósio.

Lições aprendidas

Vivemos um Espiritismo muito distanciado do Espiritismo “de Kardec” (entre aspas, pois sabemos que o Espiritismo não pertence a ele nem saiu de sua cabeça). E isso não é bom, porque o Espiritismo “de Kardec” é aquela doutrina científica, nascida com base na observação racional dos fenômenos espíritas e na concordância universal do ensinamento dos Espíritos.

Hoje, no meio Espírita, por um lado se persegue o médium pelo “animismo”; por outro, tratam-se muitos médiuns como oráculos, como se suas opiniões — porque qualquer pensamento individual, frente à Doutrina, que não tenha passado pelo crivo da razão e da concordância universal, só pode ser tomado como opinião — de si mesmos ou dos Espíritos que se comunicam, pudessem ser tomadas como a suma expressão da verdade e da sabedoria. Acabamos de ver o quão falsa e perigosa é essa premissa.

Não devemos evocar os Espíritos?

Além disso, criaram-se vários mitos, como o que diz que não devemos evocar os Espíritos (o que só é válido em caso de falta de bons propósitos, o que constituiria, nas palavras de Kardec, uma verdadeira profanação) e como o que diz que as evocações podem resultar em obsessões espirituais. Ora, os Espíritos estão ao nosso redor o tempo todo, e se aproximam de nós segundo suas afinidades com o que somos e pensamos, nas profundidades de nossa alma. Para nos obsediar, basta que queiram se utilizar de nossa ausência de vontade e da nossa permissão e, para isso, não necessitam se comunicar conosco por via mediúnica.

Compete destacar que, se um médium ou grupo mediúnico se torna alvo de obsessão espiritual, é porque ali há um problema moral, ligado às imperfeições de cada um, sobre as quais precisam vigiar. Kardec e inúmeros outros pesquisadores se serviam de médiuns educados e equilibrados para evocar todo tipo de Espírito, sem que nunca sofressem de obsessões por fazê-lo. Apenas para reforçar: essas evocações tinham um propósito sério e eram feitas por pessoas sérias. Fossem feitas por mera curiosidade vazia ou diversão, estariam relacionadas a um problema moral e, então, temos aí o problema destacado.

Essa questão, da possibilidade e da validade ou não de se evocar os Espíritos, já foi muito bem abordada por Kardec em seu artigo “O Espiritismo sem os Espíritos”, na RE de Janeiro de 1866, sobre o qual tecemos algumas considerações importantes em artigo homônimo (clique aqui para acessá-lo).

Também, na Revista de 1858, no artigo “Obsedados e Subjugados” Kardec aborda a questão dos perigos do Espiritismo de forma mais detalhada. Sugerimos a leitura do artigo surgido de nossos estudos.

O Espiritismo precisa de defesa

Muitos afirmam que o Espiritismo não precisa de defesa e, muito mais, que ele precisa de atualização, pois estaria defasado. Começo dizendo que o Espiritismo precisa de defesa SIM. Afirmações contrárias a isso parecem sair de Espíritos contrários à propagação dessa Doutrina, Espíritos esses que, aliás, jamais leram Kardec, que saia em defesa do Espiritismo sempre que oportuno. Não se trata de uma defesa que ataca as religiões ou as crenças, mas uma defesa que aponte as imprecisões e os erros, frente ao Espiritismo, nas afirmações e nas práticas ditas espíritas.

Há muito eu ouço, no meio espírita, em diversas partes: os tempos são chegados. Por muito tempo pensei que se tratava apenas de um aviso a respeito das dificuldades que atravessamos. Contudo, hoje reflito: analisando friamente, vivemos realmente algo muito diferente do que já vivemos em outras épocas da humanidade? Ou será que os Espíritos estavam informando de que são chegados os tempos de restabelecer o que foi corrompido?

Uma coisa é fato: é tempo de começarmos a reorganizar pensamentos e retomar estudos esquecidos ou perdidos durante muito tempo. Alguns pesquisadores tem trazido informações muito importantes, com base em documentos e obras originais, até então desconhecidas, nos permitindo conhecer não apenas o Espiritismo em sua essência, mas também as ciências que lhe deram lugar ou que, junto a ele, formam um conjunto indissociável.

Paulo Henrique de Figueiredo, na obra Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo, nos traz informações a respeito do Espiritualismo Racional. Este formava as Ciências Morais da época e que deram base ao Espiritismo, sendo este, segundo pensamento do próprio professor Rivail, um desenvolvimento do primeiro; na obra Mesmer: a ciência negada do magnetismo, traz informações importantíssimas a respeito do Magnetismo, ciência essa tantas vezes citadas não só por Kardec, mas pelos próprios Espíritos. Por ser o magnetismo uma Ciência muito bem estabelecida em seu tempo, jamais teve explicações aprofundadas por Kardec, que não poderia imaginar que ela seria extinta nas décadas seguintes; e Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec, nos dá informações relativas não apenas a uma suposta adulteração de A Gênese, assunto esse ainda cheio de discussões controversas, atualmente, mas também dá informações importantíssimas a respeito do completo desvio que a Sociedade Espírita Parisiense, depois transformada em Sociedade Anônima e conduzida por Pierre Gaetan Leymarie, sofreu nas mãos deste senhor.

Com base nesses estudos e nos estudos de Kardec, os Espíritas honestamente interessados em ver o retorno de um trabalho sério de pesquisa, junto aos Espíritos, nos moldes de Kardec, precisam fazer a sua parte em defender a Doutrina, divulgando sem acusar e, sobretudo, instigando os grupos mediúnicos a voltar a registrar as comunicações com os Espíritos, aprofundando-se nelas e saindo da mera condição de espectadores pacientes, vivendo sob a mal compreendida frase, que se tornou lema, “o telefone toca de lá pra cá”, para voltar a realizar evocações sérias e que produzam material importante que, um dia, poderá ser analisado de forma independente, novamente (leia este sucinto artigo a respeito dessa reflexão).

Conclusão

Infelizmente, o movimento espírita está bastante distanciado de Kardec e do Espiritismo em sua real face. Passou-se a aceitar os mais diversos despautérios, alegadamente transmitidos por fontes mediúnicas, algumas bastante conhecidas, o que tem causado muito dano não só ao movimento, em si, que está a cada dia mais esvaziado, mas também à imagem do Espiritismo ante à sociedade, que aprendeu, em boa parte, a ver o Espiritismo como aquela opinião que vêm à tona sempre que acontece um desastre qualquer para dizer que, ali, foram vitimados pessoas que estavam resgatando um débito coletivo, sendo, por isso, culpados e merecedores daquele acontecimento. E esse tipo de pensamento é largamente reproduzido acerca das tragédias individuais ou coletivas, causando aversão e distanciamento.

Não bastasse isso, o Espiritismo, desde a morte de Kardec ( em 1869), passou a ser inundado por ideias roustainguistas (de Jean-Baptiste Roustaing), “doutrina” essa que se instalou no meio espírita brasileiro desde antes do início do século XX, inclusive por grande simpatia de Bezerra de Menezes às suas ideias. Embora a FEB, autointitulada “cúpula do Espiritismo no Brasil”, só tenha adotado a obrigação do estudo das obras de Roustaing a partir de 1917 (leia mais aqui), a influência roustainguista (ou rustenistas) já era forte há bastante tempo nesse meio.

Depois, vieram as influências ramatissistas, seguindo o mesmo padrão: ideias de um Espírito claramente pseudossábio (Ramatis), que acredita saber mais do que sabe e que quer se colocar com caraterísticas messiânicas, reescrevendo a verdade e colocando Kardec no lixo, contrariando a Doutrina Espírita e a própria Ciência em inúmeros pontos e, para finalizar, sem citar outros exemplos vários, veio o divinismo, também com o mesmo teor messiânico, dessa vez através de um indivíduo que se autoproclama a reencarnação de Kardec e que também produz os mais diversos tipos de ideias contrárias àquilo que já estava estabelecido pela concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos e pela razão.

Enfim: o Movimento Espírita está esquecido de Kardec, a ponto de quase não haver Espiritismo em muitos pontos, e sim um espiritualismo religioso (no sentido da religião dogmática e cheia de rituais, hierarquias e sacerdotes). Precisamos, repito, fazer a nossa parte, ativamente, mas sem contendas, isto é, buscando os grupos e os indivíduos honestamente interessados nessa tarefa, de modo a auxiliar no trabalho de restabelecimento, pois,

o que é de base, não se supera!




Em defesa da pesquisa espírita: uma crítica aos cismentos

É tempo de recuperar Kardec.

Dias atrás me envolvi numa discussão acalorada – por detrás dos teclados – que acabou por me deixar irritado e indignado. O motivo? A questão das adulterações (ou não) nas duas obras finais de Kardec – O Céu e o Inferno e A Gênese.

Aqui, não vem ao caso a discussão em si a respeito dessas adulterações serem um fato ou não. Minha crítica vai em direção ao posicionamento mal-educado e sarcástico com o qual alguns dos “partidários” da não-adulteração se portam, atacando diretamente às pessoas e ao trabalho dos pesquisadores que levantaram essas importantíssimas informações e que deram força à necessidade de investigar o passado, com o mero intuito de tirar todo e qualquer crédito ou mesmo a vontade de estudá-las com a seriedade que, defendo, merecem.

Acontece que, se, para alguns (mas não para mim) as adulterações das obras citadas ainda são motivo de dúvida, por outro lado não se pode ter dúvida alguma das adulterações que o Movimento sofreu após Kardec, com a total perca de rumo dos propósitos iniciais da Sociedade Espírita e de seus meios de comunicação – isso fica muito claro em O Legado de Allan Kardec. É fato inegável que Leymarie permitiu, por interesses materiais, que os pensamentos de Roustaing tomassem frente na Doutrina, promovendo ideais antidoutrinários e desrespeitando o imenso e dedicado trabalho de Kardec e de sua esposa, Amélie Boudet, “a doce Gabi”. A Sociedade Espírita de Paris, comandada por Leymarie, se distanciou totalmente dos propósitos de Kardec, deixando-se, esse infeliz senhor, sucumbir pela tentação da vaidade e do dinheiro. Chegou ao ponto de expulsar, de um dos apartamentos destinados por Allan Kardec a fins de caridade, um casal de idosos, por simples atraso nos pagamentos do aluguel, quando o mesmo e a Sociedade contavam com grandes somas de posses e dinheiro [Privato, 2019]. Além disso, colocou de lado os planos para a continuidade do movimento espírita que, de acordo com projeto de Kardec, deveria contar com a multiplicação dos grupos de estudos e das “investigações” espíritas, regidas sob a metodologia necessária [ibidem] – ora, como poderiam aplicar tal medotologia aqueles que se veriam desmentidos por ela, não é mesmo?

Também é fato que o Espiritismo, desde a sua chegada em solo brasileiro, foi afetado por essa linha de pensamentos, encontrando guarida até mesmo em Bezerra de Menezes, um dos primeiros presidentes da FEB, instituição essa que, até 2019, tinha, como cláusula pétrea, a orientação do estudo dos Quatro Evangelhos, de Roustaing.

Fato é, também, que o Espiritismo de hoje está completamente descaracterizado e deturpado. Os centros espíritas, que outrora eram reuniões de espíritas confessos, dedicados ao estudo das comunicações mediúnicas e de seus efeitos morais e científicos, hoje reproduzem igrejas católicas, onde o fiel assiste ao sermão (palestra), recebe a benção (passe), faz uma oração e vai embora. Médiuns, em busca de auxílio, são colocados em longos cursos, que às vezes chegam a 7 anos de duração, quase sempre com cartilhas complicadas da FEB, para, ao final disso, se ainda estiverem minimamente interessados, serem “iniciados” no grupo mediúnico da casa. Médiuns honestos passaram a ser perseguidos por “animismo”, enquanto outros são tomados como oráculos: tudo o que dizem, por via mediúnica ou de sua própria opinião, é tomado como suma expressão da verdade e da sabedoria absolutas. E, então, passamos a ouvir, a torto e a direita, as mais ultrajantes ideias, que, continuamente, tem promovido escândalos e o afastamento das pessoas que, nas mais diversas condições, se sentem motivadas a entrar em um centro espírita em busca de ouvir algo diferente daquilo que falam por aí.

O momento é sério. Chegamos, novamente, em um novo ponto crítico da sociedade, com o materialismo vicejando alegre no coração dos homens. Mas, uma vez mais, o movimento contrário começa a tomar vulto, pois, sabemos, é preciso que o homem conheça o ápice do mal para voltar a buscar o bom e o belo. E é disso que tratam essas obras. Há quem critique Figueiredo por defender a autonomia sobre a heteronomia, isto é, por defender a essência do ensinamento da Doutrina Espírita: tudo depende de nossa vontade e de nossas escolhas, e não da aceitação cega de castigos e de recompensas. Justamente ele, o primeiro pesquisador NO MUNDO a procurar as obras originais de vários filósofos e cientistas, a fim de dar contexto científico e histórico ao nascimento do Espiritismo, juntamente com o Magnetismo, ciência-irmã do Espiritismo. Ora, por não concordar com sua posição – também baseada em provas e evidências – de que houve a adulteração em O Céu e o Inferno, devemos então descartar todo o resto?

Quando eu disse que “é tempo de recuperar Kardec”, não me refiro apenas ao estudo tão importante de suas obras, que são a base da Doutrina Espírita, mas me refiro objetivamente ao “recuperar Kardec” em seu exemplo, em sua pessoa, sempre, segundo todos os registros, tão boníssima e afável, mas também tão sensata e séria frente aos estudos das ciências. Kardec recomendava sempre que, para criticar determinado assunto, era preciso dele se inteirar completamente, fato pelo qual, por diversas vezes, deixou de abordar em profundidade aquilo que não pudera ter dado a devida atenção. Quando Kardec criticou Os Quatro Evangelhos de Roustaing, ele somente o fez após ler todos os quatro volumes. E ele, com o tempo que não tinha, o fez porque percebeu se tratar de uma obra cheia de ideias importantes, ainda que inexatas ou mesmo contrárias ao ensino concordante dos Espíritos. Kardec sempre fazia isso. E o que se vê, hoje, é que muitos não desejam reproduzir os passos do exímio pesquisador. Prendem-se às questões superficiais e, com preconceito, deixam de se aprofundar no conteúdo, passando então a criticar ou a colocar tais obras no esquecimento.

Quero, antes de finalizar, dizer que li O Legado de Allan Kardec do início ao fim, com muita atenção e cuidado. Os fatos ali apresentados, a respeito da adulteração de A Gênese, a partir da 5a edição, repito, são por demais objetivos, completos e complexos para que tal opinião seja apenas o fruto de um erro de má interpretação. No mínimo – e esta é a minha posição – abre uma margem muito grande para desconfiar de que, ali, há uma mescla de conteúdos que Kardec realmente iria alterar ou inserir, combinados com conteúdos inseridos por outra parte, com claro propósito de alterar o que já estava estabelecido doutrinariamente.

Não quero, enfim, forçar ninguém a acreditar em nada. É por isso que nossos meios de comunicação, diferentemente de muitos que existem por aí, estarão sempre abertos aos comentários e à troca de ideias. Mas quero deixar a você, caro leitor, o convite à leitura das seguintes obras, a fim de que você tome sua posição pelo seu próprio raciocínio:

  • O Legado de Allan Kardec, por Simoni Privato
  • Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo – por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo
  • Muita Luz, de Berthe Fropo (link para o pdf aqui).
  • Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo – por Paulo Henrique de Figueiredo
  • Sobre “o caso A Gênese” – artigo de minha autoria.
  • As adulterações nas obras de Kardec e o “CSI do Espiritismo” – artigo de minha autoria



O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo

Prezados amigos, irmãos que a esta iniciativa se afeiçoam,

Convidamos uma vez mais a cada um de vocês à participação ativa em nosso grupo e à disseminação das ideias essenciais do Espiritismo que, aos poucos, começam a ser redescobertas e entendidas. É do interesse e da responsabilidade de todos nós a restauração, pacífica e paciente, mas persistente e firme, das verdades originais desta Doutrina nascida da observação racional dos ensinamentos espíritas dados por toda a parte e por todos os tempos! Não mais um Espiritismo adulterado, após a morte de Kardec, a fim de dar espaço às ideias retardantes de pecado, queda e castigo, de carma, de resgates, mas a Doutrina em sua essência, baseada na constatação do livre-arbítrio, da escolha das provas e das expiações, enfim, a Doutrina que nos evidencia que nosso passo se dá em direção sempre do aprendizado e do progresso espiritual, fazendo parte dessa jornada os erros e tropeços de cada um, a mesma Doutrina que nos mostrou, em sua essência, não uma alma criada pura e que se desviou pelo pecado, um Espírito criado simples e ignorante e que, conforme vai avançando em suas experiências, através de erros e acertos, de alegrias e de sofrimentos, vai se depurando de suas imperfeições e de sua materialidade em direção à felicidade verdadeira dos Espíritos superiores, já desgarrados dessas mesmas imperfeições e materialidade através da aquisição de melhores hábitos e valores morais.

Natural, contudo, que tais ideias libertadoras e renovadoras encontrem resistência tanto na ignorância orgulhosa, fechada à reforma das ideias, quanto no conhecimento interessado em manter sob suas rédeas a classe de fiéis às velhas doutrinas. Mesmo dentro do Espiritismo as tais ideias de queda, pecado e resgate estão profundamente enraizadas, já que as adulterações vêm desde poucos meses ou anos após a morte do digno professor Rivail.

Não será à base de guerras e disputas, contudo, que desvendaremos esse caminho cheio de sarças e espinhos, mas à base da compreensão lúcida e da palavra firme mas amistosa. Guardemo-nos de perder tempo com esses que compõem as classes acima destacadas, porque uns e outros não tem o menor interesse em modificar suas ideias frente à verdade irrefutável. Para esses, apenas o tempo surtirá efeito. Invistamos nosso tempo, contudo, na classe de todos aqueles aos quais essas ideias não apenas agradem, mas aos quais sejam substanciais: os que já não veem gosto na vida, os que pensam em dela desistir, os que não compreendem um Deus vingativo, os que, enfim, não entendem os motivos das dificuldades do dia-a-dia, ou ainda àqueles que, de boa vontade, desejam estudar o Espiritismo em sua essência, a fim de transmitir, a todos que puderem, as ideias reformadoras e consoladoras dessa Doutrina em sua originalidade.

Levantemos as mangas, portanto, queridos irmãos. A inação não faz bem a ninguém. Façamos a nossa parte. Eu, autor deste texto, estou aqui, hoje, por um Espírito muito amado que me estendeu a mão no momento mais difícil da minha vida e por outro, encarnado, que insistiu em, diariamente e sem agradecimentos quaisquer, divulgar uma reflexão espírita em um grupo de WhatsApp que estava e ainda está esquecido do motivo de terem formado uma família no centro espírita que, por conta da pandemia, agora se encontra fechado.

Basta um gesto, muitas vezes, para mudar uma vida, uma opinião, e, daí em diante, iniciar um movimento. Avante, prezados, e que Deus nos ilumine a todos para que, nesse processo, não nos deixemos contaminar jamais pelo personalismo, pela vaidade, pelo egoísmo e pelo orgulho.

O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo e limpá-lo para as próximas gerações, das quais provavelmente voltaremos a fazer parte.




Sobre “o caso A Gênese”

Este artigo foi inspirado pelo artigo “O caso A Gênese“, apresentado no Portal Luz Espírita. Nesse artigo, bastante extenso, são apresentados diversos detalhes, passo a passo, que levam afinal o autor, Ery Lopes, e os colaboradores — Adair Ribeiro, Adriano Calsone, Carlos Luiz, Carlos Seth Bastos, Jorge Hessen e Wanderlei dos Santos — a assumir que, não, a Gênese não foi adulterada e que podemos fiar confiança total de que a 5.ª edição, segundo eles editada e impressa em 1869, foi sim uma versão impressa por Allan Kardec.

Devo reconhecer que o artigo tem o mérito de ter tentado se manter imparcial, apresentando inclusive os trabalhos de Simoni Privato, em O Legado de Allan Kardec, onde apresenta uma enorme coleção de provas e de evidências das adulterações.

Em que ponto, então, o artigo passa a assumir que tais adulterações não existem e que todas as evidências estão erradas? Principalmente a partir do item 37 — “As pistas do Catálogo Racional — o qual reproduzo abaixo:

Nesse quadro, apresentam-se algumas pistas, obtidas através da análise da obra Catálogo Racional, que teria tido sua primeira edição distribuída em 1 de abril de 1869, um dia após a morte de Allan Kardec:

  1. Há uma citação à obra La clef de la vie (A chave da vida), de Michel de Figagnères, sobre a qual Kardec teria feito um comentário reportando-se aos itens 4 a 7 do capítulo VIII de A Gênese. O item 7, porém, A Alma da Terra, apenas passou a existir a partir da 5ª edição dessa obra.
  2. Logo a seguir, apresenta-se a evidência de que a obra Os quatro evangelhos, de Roustaing, já teria sido citada pelo próprio professor Rivail nessa primeira edição do Catálogo, diferentemente do que algumas pessoas teriam dito, supondo que tal citação apenas teria se dado por adulteração. 

Há, porém, uma informação muitíssimo importante que se deixou de fora neste ponto: a referência de Kardec aos itens 64 a 68 do capítulo XV de A Gênese. Acontece que o item 68 apenas existiu até a 4.ª edição dessa obra, transformado em item 67 a partir da 5.ª edição, quando o item 67 original foi retirado. Esse item era muito importante, por tratar da questão de que a desaparição do corpo de Jesus, até então, seria assunto não solucionável, pela ausência, até então, da sanção do duplo controle da confirmação pela lógica rigorosa e pelo ensinamento geral dos Espíritos, e sua retirada parece muito estratégica, se considerarmos que as ideias contrárias, vindas de Roustaing, não tinham como se sustentar, pela ausência desse duplo controle.

Ora, por que essa contradição nas referências de Kardec? Por que teria ele, simultaneamente, se referido, em um ponto, a um item que ainda seria inserido em A Gênese, na 5a edição, enquanto que, em outro, se referia a um item que dela seria retirado, na mesma edição?

A lógica me leva pelo seguinte caminho:

  • Kardec já havia preparado a impressão do Catálogo Racional, mas ainda estava em vias de finalizar a impressão de A Gênese, que ainda estava, ao que tudo indica, nos estágios finais de reimpressão para correções e edições.
  • No Catálogo, Kardec faz referência a um item que ainda não existia em A Gênese (Cap. VIII, item 7) e outro que, a partir da 5a edição conhecida, deixou de existir (item 68). Isso pode demonstrar que Kardec, no Catálogo, faria referência a um item da nova edição de A Gênese, e que manteria a referência ao item 68, citado acima. Um provável adulterador, determinado a retirar o importantíssimo princípio da sanção do duplo controle, não notou o problema.
  • O Catálogo já havia sido encomendado e impresso com o conhecimento de Kardec, mas isso não significa que ele seria prontamente distribuído. Muito provavelmente, pela lógica dos fatos, ele esperaria a impressão da nova versão de A Gênese.

Suponho, também, pela lógica dos fatos, que a 5ª edição de A Gênese, por nós conhecida, foi baseada em alterações sobre os nos clichês do próprio Allan Kardec, visto que, nessa edição, o item 7 do capítulo VIII apresenta conteúdo em conformidade com o estilo e com o pensamento do próprio (a meu ver). Assim, as alterações que conhecemos, suponho, não são todas adulterações, mas a hipótese de adulteração fica muito evidente por todas as provas e evidências já apresentadas, até hoje, e pela simples análise de alguns pontos alterados ou suprimidos, que destoam do pensamento, do estilo e dos propósitos de Kardec e, sobretudo, do ensinamento dos Espíritos durante toda a primeira fase do Espiritismo.

Adiciono que não vejo nenhum motivo para Kardec não ter citado a obra de Roustaing em seu Catálogo, visto que ele próprio sugere, logo abaixo à recomendação, que o leitor busque melhores esclarecimentos em A Gênese, nos itens mencionados. Aliás, na 5.ª edição de A Gênese, há uma referência à Revista Espírita de setembro de 1868, pág. 261, que se refere ao mesmo tema contido no item 7 da primeira obra: A Alma do Mundo.

Mais uma evidência que mostra que as alterações na 5.ª edição de A Gênese não são totalmente resultados de adulterações, embora, inclusive sobre esse item, eu não possa afirmar se teria sido, além de introduzido, também adulterado, visto que o trecho que na 5.ª edição de A Gênese finaliza o item 7 do cap. VIII, continua, na Revista Espírita, de uma forma muito importante: “O Espiritismo seria, com razão, ridicularizado por seus adversários, se se fizesse o editor responsável por utopias que não resistem a um exame. Se o ridículo não o matou, é porque só mata o que é ridículo.

Sobre a afirmação muito comum de que algumas cartas confirmam a impressão da 5.ª edição da obra pelas mãos do próprio Kardec, já abordei o caso no artigo “As adulterações nas obras de Kardec e o “CSI do Espiritismo” (clique aqui para ler).

O que quero afirmar com tudo isso é que, sim, é um assunto bastante profundo e complexo, com muitas informações cruzadas a serem analisadas sob uma metodologia muito racional, lógica e verdadeiramente imparcial. Infelizmente, parece que muitas pessoas tentam se agarrar desesperadamente a qualquer evidência de que as adulterações não ocorreram e, ao agirem assim, deixam de analisar os fatos com todo o cuidado que o assunto merece.

Sempre repito: o conteúdo apresentado nas obras “O Legado de Allan Kardec” e “Nem céu, nem inferno” é completo e profundo demais para ser tomado como se fosse apenas um erro qualquer, baseado em informações incompletas ou falsas. Ainda assim, se há espaço para dúvidas, que as demais informações sejam analisadas com o máximo de critério científico, como o próprio Kardec nos ensinou e, enquanto não possam ser sanadas, fiquemos na segurança das obras indubitavelmente impressas de seus próprios punho e bolso.

Quero, por fim, destacar o seguinte: uma das provas mais utilizadas para afirmar que a 5a edição foi de autoria integral do próprio Kardec, a tal 5a edição de 1869, apresenta em sua capa, como endereço de impressão, o novo endereço da sede da Sociedade Espírita Parisiense: “Librairie Spirite et des Sciences Psychologiques”, em “7, rue de Lille”.

Sabemos que Kardec morreu antes do estabelecimento da Sociedade no novo endereço, o que comprova que tal edição somente foi impressa após sua morte. Leia mais clicando aqui.