As cisões e a busca por unidade no movimento espírita

Este é um artigo sucinto, trazendo uma reflexão, creio eu, importante.

É de longa data o assunto em questão: a busca por uma unificação do Movimento Espírita. Sabemos que, principalmente no Brasil, desde o início do movimento espírita, existem as cisões, ou seja, as divisões em grupos de ideologias. Há, inclusive, dentro do movimento, as cisões políticas, algo que jamais deveria existir, já que o Espiritismo visa, antes de tudo, a transformação do indivíduo, pela própria vontade e pela razão, e não por força maior, ou seja, uma modificação social através da modificação individual. A política (vista pelo viés simplista, conforme o que é feito geralmente), por outro lado, visa essa transformação de cima para baixo, por força de lei.

Devemos observar: isso, é claro, não significa dizer que o espírita não pode se envolver com a política. Muito pelo contrário: deveria. Mas com quais olhos? Certamente, não os da vaidade e do orgulho das opiniões, mas baseado na Doutrina Espírita. Imaginemos o que poderia fazer, com a força política, pessoas bem compenetradas da essência científica, moral e filosófica do Espiritismo, da transformação pela base, da pedagogia da autonomia, desde a escola infantil e, enfim, aqueles que entendam, profundamente, o bem e seu poder de transformação social, respeitando, porém, SEMPRE (desde que o ato não implique o mal direto para outros e respeitando as leis vigentes) o livre-arbítrio de cada um, que é um princípio fundamental do Espiritismo? Ora, o grande problema, sempre, tem sido as opiniões reservadas, quando, de um lado, alguns pensam que resolverão tudo com as armas e, do outro, alguns acham que resolverão tudo à base da força, tomando de uns para dar aos outros.

Mas voltemos ao ponto fundamental: havendo as cisões sob uma mesma bandeira, é natural, então, nascerem as diversas propostas de unificação, inspiradas mesmo naquela célebre e justa recomendação do Espírito de Verdade, em O Evangelho Segundo o Espiritismo — “Espíritas!, amai-vos, eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo”. Como, então, alcançar esse objetivo?

Ora, reconhecendo-nos Espíritos em diferentes graus de evolução, com diferentes formas de entendimento, com diferentes conhecimentos e diferentes formas de ver o mundo — enfim, cada um, em si, um verdadeiro universo — é claro que não podemos supor que uma unificação signifique uma igualação de ideias. Isso seria impossível. Também seria impossível e mesmo errôneo supor que essa unificação seria a irmanação de todos os espíritas sob uma mesma entidade reguladora, tal qual se tem tentado fazer desde há muito, pois o Espiritismo não pode estar encerrado sob hierarquias, entidades ou mesmo pessoas. O próprio Kardec, que tão conscienciosamente conduziu os primeiros anos da formação da Doutrina, sabia disso: depois de sua morte, quem assumiria o seu posto? Quem tomaria esse direito? Não. Desde o início, Kardec propôs as diretrizes daquilo que muito bem conduziria o Espiritismo após sua morte, que, em resumo, seria:

1. Como princípio básico de uma ciência, o Espiritismo jamais estaria fechado ao questionamento, desde que este nasça do propósito honesto do indivíduo que não aceita a nada sem raciocinar, nem à curiosidade, desde que esta nasça do princípio investigativo da busca pelo conhecimento; porém, desde o momento em que o indivíduo não se renda à lógica dos fatos e das evidências, fartamente sustentados pela razão e pelo método científico, não pode ser considerado a sério e, gastar tempo com este, significaria perder tempo com aquele que, apresentando-se uma maçã, dirá que se trata de um limão, simplesmente por desejar cultivar o orgulho, e não a humildade.

2. Do ponto de vista da organização doutrinária, Kardec, junto a seus colaboradores, propôs, conforme apresentado na Revista Espírita de dezembro de 1868 (cerca de apenas quatro meses antes de sua morte) a “Constituição transitória do Espiritismo” (leia clicando aqui) que, em resumo, recomendava que o Espiritismo passasse a se constituir não mais sob nenhuma figura ou entidade centralizadora, mas através de inúmeros grupos de estudos e pesquisa, constituídos pelo mundo, e coordenados, mas não regulados, por um comitê central, que, segundo Kardec…

… será, pois, a cabeça, o verdadeiro chefe do Espiritismo, chefe coletivo que nada pode sem o assentimento da maioria e, em certos casos, sem o de um congresso ou assembleia geral. Suficientemente numeroso para se esclarecer pela discussão, não o será bastante para que aí haja confusão.

[…]

É claro que aqui se trata de uma autoridade moral, no que concerne à interpretação e à aplicação dos princípios da doutrina, e não de um poder disciplinar qualquer. Essa autoridade será, em matéria de Espiritismo, o que é a de uma Academia em matéria de ciência.

O brilhantismo, a racionalidade, a genialidade mesmo do Professor Rivail é, realmente, digna de um Espírito que se preparou para a missão que tinha à frente. A unidade do Espiritismo, portanto, não estaria representada pela força deste ou daquele indivíduo, ou grupo, desta ou daquela entidade: estaria no todo, nos princípios básicos da ciência e da doutrina espíritas. Não caberia a ninguém, individualmente, dar regras, aceitar ou rejeitar a adoção de novos princípios e mesmo de novos adeptos.

Ora, se isso chegou a ser publicado, de seu próprio punho, quando ainda estava em vida, perguntamos: o que é que aconteceu com o movimento espírita para chegarmos no cenário atual, onde as dissidências se dão, por toda parte, basicamente pelo desrespeito aos princípios básicos da Doutrina e dessa organização sabiamente proposta por Allan Kardec, pouco antes de sua morte? Bem, são quatro os pontos principais:

  1. Desvios doutrinários após sua morte, por aqueles que deveriam ter dado continuidade em seu trabalho. Isso se deu por interesses pessoais, como o dinheiro, a fama (vaidade) e o orgulho. Os Espíritos contrários ao bem, por serem ignorantes dele, encontraram nas imperfeições humanas a brecha necessária para a realizarem a única coisa que poderiam contra uma doutrina tão fortemente estabelecida. Assim, obtiveram, por Pierre Leymarie ou por outros ((Leymarie não se encontrava à frente da Sociedade Anônima, que substituiu a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, senão a partir de 1872, ano no qual foi lançada a edição adulterada de O Céu e o Inferno)): as adulterações de O Céu e o Inferno e A Gênese((Fatos detalhadamente apresentados em “O Legado de Allan Kardec”, de Simoni Privato, e “Nem céu, nem inferno”, de Paulo Henrique de Figueiredo e Lucas Sampaio.)), as duas obras finais de Kardec que encerravam os princípios doutrinários de mais de 15 anos de aprendizados e investigações; os fatos que mancharam e ensombrearam a Doutrina Espírita, como o “Processo dos Espíritas“, a frequente veiculação de ideias antidoutrinárias, na Revista Espírita, dentre outros((Fatos largamente detalhados nas obras supracitadas e também em “Muita Luz” (Beacoup de Lumiere), de Berthe Fropo. O PDF pode ser facilmente encontrado no Google.)).
  2. As guerras que se seguiram poucas décadas depois e que lançaram o mundo no materialismo, quer pelas dificuldades e desgraças do povo, quer pelas lutas armadas.
  3. Os interesses pessoais ou a incapacidade de compreensão da verdadeira essência do Espiritismo por parte daqueles que tomaram as rédeas do movimento espírita nascente no Brasil e que encontraram, em Roustaing, uma teoria mais próxima de seus propósitos ou de suas capacidades de compreensão. Estes, ligados à política — vejam só, uma vez mais a política — e/ou à imprensa e com capacidade de penetração, fizeram essas ideias se propagarem a fartamente pelo país.
  4. O desinteresse pelos estudos dos adeptos do Espiritismo que, se houvessem se dedicado a essa necessidade, teriam encontrado isto mesmo que acabamos de apresentar.

Eu diria que, de todos, o quarto e último tópico é o mais sério de todos, pois quaisquer tropeços, conscientes ou não, seriam muitas vezes corrigidos por um estudo dedicado dos conteúdos doutrinários existentes ou pela investigação científica junto aos Espíritos, assim como Kardec fazia.

Constatamos, enfim, que as cisões existentes no movimento Espírita se dão muito menos por ideologia doutrinária, e muito mais por ausência ou presença dos princípios científicos necessários, seguindo os passos de Allan Kardec. De um lado, estão aqueles que compreendem a necessidade do método, do princípio da concordância universal dos ensinamentos dos Espíritos, do não aceitar uma opinião isolada, seja de quem for, como se fosse a expressão da verdade e da sabedoria e, por isso, parte da Doutrina e da importância, da utilidade e da necessidade das evocações espíritas, com todos os devidos cuidados sempre destacados por Kardec; do outro, estão aqueles que pensam que Kardec está superado pelo tempo, que os Espíritos têm que ser deixados em paz e que cabe a este ou aquele a tarefa de profeta da revelação.

A unidade, então, no Espiritismo, não é impossível. Contudo, como fica claro, para ela existir, é necessário respeitar a constituição, o método e os postulados dessa ciência. As divergências de opinião e de interpretações sempre existirão, mas, desde que se cumpra os princípios básicos dessa ciência, elas serão progressivamente superadas ou afastadas.

De tudo, tiramos o seguinte: a unidade não deve ser procurada naquele que insiste em dizer que a maçã é um limão, mas sim naquele que, mesmo supondo que seja um limão, frente à razão, entenda e concorde: sim, é uma maçã. Em outras palavras: o Espiritismo é uma ciência muito bem estabelecida e fundamentada. Procuremos a unidade, baseados nesta ciência, em todos aqueles que queiram estudá-la e pesquisá-la como necessário, sem a pretensão de unir a todos sob uma mesma entidade ou um só líder, mas espalhando, pelos quatro cantos do mundo, a necessidade da formação de grupos de estudos aplicados sobre essa ciência. Com o tempo, quando estivermos prontos, isso dará espaço à retomada dos estudos, instigados pelos próprios Espíritos, dos princípios novos da Doutrina, com a coordenação de um comitê central ou mais.

Não se enganem: não procuramos números, mas qualidade. Os verdadeiros espalhadores dessa Doutrina não serão a maioria, em princípio, mas serão aqueles que auxiliarão no processo de retomada da essência do Espiritismo, divulgando-a a todos que puderem. Embora poucos, eles se encontram por toda a parte, muitas vezes esperando um pequeno empurrão para retomar a caminhada. Quanto àqueles que insistem no espiritismo sem os Espíritos, ou no espiritismo à Roustaing, entendamos que eles praticam uma nova religião, e não a Doutrina Espírita. Como diria Kardec, deixemo-los, pois a razão prevalecerá, e as opiniões divergentes serão abafadas pelo tempo e pela ciência, como sempre aconteceu na história da humanidade.

Em “espíritas, amai-vos”, temos a necessidade do respeito e da compreensão que somente podem nascer da humildade que surge da exploração científica e da razão, que leva o indivíduo ao aperfeiçoamento; em “instruí-vos”, temos reforçada a necessidade de estudar a Doutrina, de modo que possamos parar de ser comandados cegamente pelas opiniões.




As religiões e o novo mundo

Este será um artigo muito suscinto, mas de grandes reflexões.

As religiões, por mais que se afastem da verdade por conta de seus dogmas, que visam manter o povo na ignorância, em razão da sede de poder e de controle, tem a sua utilidade. É claro que todas elas avançam – basta comparar, em geral, a Igreja Católica de 150 anos atrás, ou ainda muito menos, com a de hoje – embora avancem a passos muito lentos e apenas quando se veem forçadas a isso, na maioria das vezes. Com tudo isso, elas sempre foram receptáculos de uma certa verdade, transmitida entre os séculos, até o momento em que o homem pudesse entender e avançar sobre essas ideias.

É fato que, por conta dessa sede de controle e domínio, os dogmas criados para esse fim mantiveram por muito tempo as consciências sob a irreflexão do medo e da obediência cega, mas, uma vez mais, os tempos são chegados. Vejamos as fileiras das igrejas: a cada dia mais, vão se esvaziando. Contudo, esses que daí saem, não encontramos quem dê resposta melhor, encontram a única resposta que existe, que é no materialismo.

Vivemos exatamente o mesmo processo enfrentado entre os séculos XVIII e XIX, de onde, em pouco tempo (relativamente falando) veremos surgir um movimento contrário a tudo isso, buscando no espiritualismo a resposta que nem as religiões nem o materialismo podem dar.

Contudo, hoje, temos vantagem. Os estudos importantíssimos sobre o Espiritualismo Racional, por Paulo Henrique de Figueiredo (principalmente), podem alavancar esse processo; o Espiritismo, desta vez, não precisa nascer do zero, mas precisa apenas ser retomado em sua essência original – aquilo que muitos estudos recentes, inclusive os do Paulo, tem auxiliado muito a realizar. Estamos muito mais pertos de uma revolução de ideias, o que não se dará pela política, que é coercitiva, mas pela vontade individual, que responde à razão e ao livre-arbítrio.

Meu amigo leitor, creio que em algumas décadas poderemos ver um novo mundo. Para isso, contudo, há que se abalar as bases sociais – desta vez, não através da força, mas através das ideias da caridade e do bem e, sobretudo, da autonomia através da vontade e da razão – e, para isso, cabe a cada um de nós estudar exaustivamente todas essas fontes de conhecimento a fim de levar adiante, em cada situação possível, e para fora do meio espírita, esse conhecimento consolador e transformador.

E podemos começar desde já, tecendo, por exemplo, propostas de aproximação da educação, hoje predominantemente heterônoma, vivenciada sob os aspectos do pecado e do castigo, com as propostas pestalozziana e espírita, autônomas em toda a sua essência.

Temos muito a fazer. E esse processo não visa derrogar as religiões, como nunca visou: visa, antes de tudo, trazer o fortalecimento da verdade que há nelas e afastar aquilo que há de erros e inverdades.

Recomendamos também a leitura do artigo “Espiritismo e o mundo de regeneração: como chegaremos a ele?




Espiritismo e o mundo de regeneração: como chegaremos a ele?

Hoje estive “filosofando” sobre esse assunto, e cheguei nas seguintes ideias que, destaco, são baseadas na minha forma de ver o tema e no conhecimento que tenho do Espiritismo – o que pode não refletir a mais completa realidade. A seguir, estão expostas as minhas considerações:

Reflitamos: a modificação não vem de cima para baixo, como imposição, mas de baixo para cima, do indivíduo para a sociedade, como escolha. Portanto, o planeta não será transformando senão pela mudança dos seus habitantes. E quando falamos em regeneração, o que é um Espírito que se regenera, deixando de passar por provas e expiações? No meu entendimento, é o Espírito que passa a olhar para dentro de si mesmo, deixando de planejar vidas que visem apenas trazer “sofrimentos reparadores”, para planejar vidas que lhes dêem mais oportunidades de aprendizado para abafar suas imperfeições. E de que forma isso se dá? Apenas pela vontade, alimentada pela razão. Portanto, como entendo, é justamente o conhecimento reforçado pelo Espiritismo que vai nos possibilitar conquistar um novo “ambiente” terrestre.

Enquanto os Espíritos continuarem agrilhoados às velhas concepções aprisionantes da consciência, continuarão errando e, por uma errada concepção de pecado e castigo, continuarão buscando expiar os erros, através do sofrimento material, apenas, aplicando muitas vezes a si mesmo a “lei de Talião” – olho por olho, dente por dente. Contudo, à medida que entendam que o que realmente precisam é se fortalecerem pelo aprendizado e pela razão, em contato com conhecimentos valorosos, para assim lidarem com suas imperfeições, passarão a planejar, ao meu ver, com mais sabedoria suas vidas.

Afinal, o que é que causa mais sofrimento: uma dor física, que termina com a morte, ou uma dor moral, que se estende enquanto o fator que a originou não for resolvido? Não é como agimos aqui? Quando cometemos um erro, muitas vezes queremos ser castigados a fim de aliviar nossa consciência, de forma a querer deixar de lado o verdadeiro problema, que é nossa imperfeição e o sofrimento moral que dela se origina, pelos erros. O indivíduo mais maduro, porém, sabe que o castigo não resolve, e busca encarar de frente seus próprios problemas, que o fizeram errar.

Por exemplo: naquele caso do Assassino Lemaire (RE – Março de 1858) ele sabia que tinha que lidar com suas imperfeições. De que forma pensou em fazer isso? Planejou nascer em meio ao crime, mas malogrou em sua tentativa, pois o ambiente foi mais forte que ele, que ainda não tinha a vontade e a razão muito fortalecidas. Ao falhar em sua tentativa, foi mais um a espalahar a criminalidade, aliando outros Espíritos às suas intenções. E se – e se! – ele, mais consciente, tivesse planejado uma vida diferente? E se, em vez de se colocar sob o ambiente do crime, para lutar com suas paixões, ele tivesse escolhido uma família firme e bondosa, que lhe desse uma educação melhor e lhe colocasse em contato com conteúdos que pudessem lhe ajudar a reforçar a vontade de vencer suas imperfeições, através da razão? Talvez ele tivesse conseguido vencer muitas de suas imperfeições, além de não ser mais um a avolumar a criminalidade.

Não seria isso, como um entendimento geral, gerando decisões melhores, ótimo para o planeta? Não causaria uma enorme mudança à sociedade? Penso que sim. Mas isso requer, em primeiro plano, que o Espírito SE enfrente: que ele se coloque sob a ótica crítica e que enfrente seus próprios “demônios”. Ora, numa sociedade que insiste em acreditar, porque é mais fácil, na imposição de castigos divinos, vemos o quão longe ainda estamos dessa nova era neste planeta… O que não nos impede de, em nós, fazermos um esforço hercúleo para domar nossas paixões, desenvolver nossas virtudes e buscarmos nos elevarmos, no bem, a fim de que possamos conquistar a possibilidade de encarnar em mundos mais felizes.

Quem sabe….

Finalizo com Kardec, em A Gênese (4a edição, original – o trecho foi suprimido na 5a edição, que muitos dizem não ter sido adulterada):

Dizer que a humanidade está madura para a regeneração não significa que todos os indivíduos estejam no mesmo degrau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão desabrochar. Então, eles se mostrarão mais avançados do que se possa supor e seguirão com empenho a iniciativa da maioria. Há, entretanto, os que são essencialmente refratários a essas ideias, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente não as aceitarão, pelo menos nesta existência; em alguns casos, de boa-fé, por convicção; outros por interesse. São aqueles cujos interesses materiais estão ligados à atual conjuntura e que não estão adiantados o suficiente para deles abrir mão, pois o bem geral importa menos que seu bem pessoal – ficam apreensivos ao menor movimento reformador. A verdade é para eles uma questão secundária, ou, melhor dizendo, a verdade para certas pessoas está inteiramente naquilo que não lhes causa nenhum transtorno. Todas as ideias progressivas são, de seu ponto de vista, ideias subversivas, e por isso dedicam a elas um ódio implacável e lhe fazem uma guerra obstinada. São inteligentes o suficiente para ver no Espiritismo um auxiliar das ideias progressistas e dos elementos da transformação que temem e, por não se sentirem à sua altura, eles se esforçam por destruí-lo. Caso o julgassem sem valor e sem importância, não se preocupariam com ele. Nós já o dissemos em outro lugar: “Quanto mais uma ideia é grandiosa, mais encontra adversários, e pode-se medir sua importância pela violência dos ataques dos quais seja objeto”.

Kardec, A Gênese, 4a Edição – FEAL




O Espiritismo tem preconceito contra a umbanda?

Talvez muitos espíritas tenham, da mesma forma que muitos umbandistas tem, em relação ao Espiritismo, e da mesma forma que praticamente todo ser humano pode ter preconceitos. Ficar apontando e definindo “lados” é, definitivamente, algo que não ajuda muito no progresso humano. De qualquer forma, aproveito o ensejo para lembrar o seguinte:

Em primeiro lugar, é necessário separar o que Espiritismo do que é o “Movimento Espírita”. O primeiro é uma doutrina sólida e científica, racional, baseada no ensinamento concorde dos Espíritos, dados por toda a parte e por todos os tempos. O segundo, é o conjunto das pessoas que se consideram atraídas pelas ideias dessa Doutrina e que, contudo, nem sempre agem de acordo com seus postulados – infelizmente é o que mais acontece hoje em dia.

O Espiritismo, como Doutrina Científica, não força nada a ninguém: apresenta suas conclusões e deixa a cada um a liberdade de aceitá-las ou não. Contudo, muitas pessoas, ditas espiritualistas, mesmo tendo conhecimento da existência dessa Doutrina, escolhem não se informar a respeito dela, julgando o livro pela capa, isto é, agindo preconceituosamente a seu respeito, afirmando que se trata de mais uma religião, ou que se trata de mais uma opinião, ou que, ainda, O Livro dos Espíritos – obra básica dessa Doutrina – não passa de mais um livro, escrito por Kardec, conforme suas próprias ideias.

Quantas são as pessoas que se metem em dificuldades, no que tange ao contato com os Espíritos, e que, quando convidadas a estudar a Doutrina Espírita (que se chama assim porque pertence aos Espíritos, e não a um só homem ou grupo) preferem continuar em suas velhas concepções, resistindo a buscar novos conhecimentos?

Diz-se que a umbanda nasceu de uma cisão dentro de um centro Espírita, quando os participantes daquele grupo não aceitaram a comunicação de um “preto velho” naquele meio. Ora, se é verdade, também não são menos culpáveis do que os outros indivíduos, que insistem em considerar a base da Ciência Espírita como “letra morta e superada”.

Disso tudo, fica um aprendizado: para entender o Espiritismo, sendo ele uma ciência, nascido, aliás, como um desenvolvimento do Espiritualismo Racional, que também era uma doutrina científica que abarcava o estudo da psicologia, da metafísica e da moral, não prescinde do estudo de suas obras básicas, assim como, para entender a Física não prescinde do estudo de Isaac Newton e de Einstein. Assim como a Física apresenta seus postulados, mas muitas pessoas insistam em ignorá-la para dizer que a força gravitacional não existe, o mesmo é feito a respeito do Espiritismo, que não é uma “religião superior”, onde existem as “únicas verdades”, mas que é, sim, a única Doutrina Científica, até hoje, dedicada a estudar racionalmente as nossas relações com os Espíritos.

Aliás, quem estuda o Espiritismo sabe que ele, frente às outras religiões, vem demonstrar a verdade sobre tudo aquilo que sempre existiu mas, que nem sempre foi bem compreendido, da mesma forma que mostra os erros, frutos da inobservância da razão ou mesmo do desconhecimento de certas informações que, a seu tempo, começaram a ser ensinadas. São os demais indivíduos que, por orgulho ou interesses pessoais, muitas vezes não suportam ver um dogma desmentido, e escolhem atacar de volta à Doutrina Espirita. Reflitamos. Ao invés de escolher lados, entendamos: o Espiritismo, como ciência, pode ser estudado por todos os espiritualistas modernos, assim como o Magnetismo, ciência irmã da primeira. Mas, sem estudar e entender, tudo vai continuar na mesma: espíritas criando falsos conceitos a respeito das comunicações espíritas (espirituais) nas religiões diversas e as religiões diversas deixando de sorver conhecimentos tão libertadores, consoladores e progressistas como os do Espiritismo.




O Espiritismo frente à guerra

Estamos, nesta data, vivendo um novo momento de apreensão no mundo, com uma nova guerra se iniciando entre a Rússia e a Ucrânia. Será muito oportuno, portanto, relembrar alguns importantes conceitos do Espiritismo frente a tais situações, como as guerras.

A situação de quem morre nas guerras

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que qualquer maldade humana nasce da imperfeição inerente a Espíritos que, como praticamente todos nós, ainda estamos na terceira ordem da escala espírita. O Espírito que pratica o mal, individualmente ou em conjunto, o faz porque ainda é ignorante sobre a moral e age segundo seu livre-arbítrio já conquistado. Assim, destaco, jamais uma ação de perversidade ou maldade, praticada por alguém, nasce de uma cobrança divina de uma “dívida” passada.

Creio muito importante destacar esse pensamento, logo de início, pois muitos ainda pensam, muito erradamente, que a vítima de um crime está “resgatando débitos passados”, o que não é uma verdade. Ora, que Deus é esse que cobra dívidas através de crimes e que, com isso, faz um outro Espírito – o do criminoso – adquirir um novo débito?

Portanto, não, as pessoas que morrem vítima de um crime, seja ele isolado, como um homicídio, seja ele em grupo, desde os casos menores, mas não menos expressivos, como o caso do incêndio da boate Kiss, que rendeu um processo criminal, até os maiores, como os casos do nazismo, que matou mais de seis milhões de judeus, ou do genocídio cometido pelo revolucionário chinês Mao Tsé-Tung, cuja política matou de 50 a 80 milhões de pessoas, não morrem por estarem sendo cobradas por absolutamente nada do passado: morrem por efeito das decisões alheias, criminosas – lembrando que, é claro, o Espírito que preveja a vida sob tal condição pode escolher aí reencarnar a fim de expiar erros passados e tentar aprender e se livrar das imperfeições que o levaram a errar.

Já tratei desse assunto em outro artigo, destacando que as mortes coletivas não se dão por conta de “resgates coletivos”, mas por conta de estarmos sujeitos a tais vicissitudes, inerentes à matéria bruta que hoje ocupamos.

A “data limite”

Muitos têm, com certo medo, se referido a uma suposta “profecia” atribuída a Chico Xavier a respeito da chamada data limite, onde, a partir de determinada data, em 1969, os Espíritos elevados que cuidam do progresso terrestre dariam um “ultimato” ao ser humano terrestre: se não houvesse nenhuma guerra, dentro dos 50 anos seguintes, entraríamos em uma nova fase de evolução planetária.

Acontece, aí, que temos alguns problemas frente à Doutrina:

  1. Espíritos superiores não costumam dar previsões futuras desse gênero.
  2. Como poderiam os Espíritos superiores darem tal ultimato sabendo que o ser humano ainda é muito imperfeito e conhecendo o ia e vai no coração humano?
  3. Nós sabemos que a evolução do Espírito não respeita datas. Para o Espírito imortal, o tempo não existe, e o que não for feito hoje, nem aqui, será feito em décadas, centênios ou milênios. A urgência que existe mora em cada um, pois, cada dia perdido de desprendimento das imperfeições será um dia a mais de sofrimento nessa condição espiritual.

Outro problema é que grande parte desse assunto vem sendo discutido de segunda mão, através de outras pessoas, não tendo saído diretamente da boca de Chico Xavier. Portanto, é preciso olhar tal assunto com muito cuidado.

A guerra e o Espiritismo: O Livro dos Espíritos

Na obra citada, Kardec também aborda a temática das guerras. Vamos analisar as perguntas e as respostas:

742. Que é o que impele o homem à guerra?

“Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem: o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas. E, quando se torna necessária, sabe fazê-la com humanidade.”

O ser humano, ainda muito imperfeito, quer imperar pela força a fim de fazer valer suas vontades egoísticas. Conforme formos progredindo, deixaremos para trás tais imperfeições e guerrearemos menos, em qualquer escala. O grande problema é que, hoje, o homem está esquecido da moral e da alma.

743. Da face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?

“Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”

Infelizmente, numa sociedade absurdamente materialista, estamos bastante esquecidos de praticar a Lei de Deus.

744. Que objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?

“A liberdade e o progresso.”

Quando se fala que a Providência (Deus) tornou necessária a guerra, é importante entender que Deus jamais faria da guerra uma necessidade em si, mas, sim, que permite o livre-arbítrio ao Espírito imperfeito que, sem sombra de dúvidas, entrará em contendas e guerras de todo o gênero. Faz parte da evolução. É quase sempre preciso conhecer o mau, em seu estágio mais avançado, para que a sociedade busque o bem. Outrora, o ser humano, em generalidade, guerreava e matava por qualquer motivo mesquinho. Hoje estamos consideravelmente longe desse passado.

Também há algo importante a destacar: as guerras de escala maior são, sempre, comandadas por um ou mais indivíduos ou grupos tiranos. No fim da linha está o soldado que, muitas vezes, nada tem a ver com isso e que sequer gostaria de estar ali, mas que se vê obrigado a seguir as ordens de seus comandantes. A Justiça Divina, é claro, “leva em conta” essas diferenças, isto é, o soldado que age sob comando, sem a vontade de fazer o mal, terá, frente à sua própria consciência, muito menos sentimento de culpa do que o comandante que os envia para o assassínio.

744. a) — Se a guerra deve ter por efeito o advento da liberdade, como pode frequentemente ter por objetivo e resultado a subjugação?

“Subjugação temporária, para pressionar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.”

É o complemento do que foi dito acima. A guerra pressiona ao avanço, tanto científico quanto moral.

745. Que se deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu?

“Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.”

Pela resposta a essa questão, parece então que o Espírito que provoca a guerra para tirar proveito terá, sim, que pagar por cada um daqueles que tenham sofrido por esse motivo. Mas não é exatamente isso. É preciso ler com atenção e cuidado, e as obras de Kardec, sendo baseadas em ciência, são continuamente construídas sobre postulados anteriores.

Notemos, aqui, que a resposta espiritual fala em expiação. A expiação, sendo uma espécie de penitência, não é um castigo imposto diretamente por Deus, como uma cobrança, mas sim como um efeito da consciência que o Espírito toma sobre o mal praticado. Desde o momento em que o Espírito entende que o que sofre por estar afastado do bem, passa a sofrer moralmente por conta disso e, então, passa a planejar encarnações onde expiará suas imperfeições, para superá-las. Também não significa que o Espírito expiará individualmente por cada um dos sofrimentos ou das mortes que tenha causado, mas, sim, que passará por um longo trabalho reencarnatório, tentando se livrar do peso moral adquirido com seus erros. Hitler, com certeza, não reencarnará mais de seis milhões de vezes para morrer da mesma forma e “pagar” pela morte de cada um dos judeus (e de outras vítimas da guerra), mas, com certeza, no momento em que entender a extensão do mal que fez e o tamanho do sofrimento que ele mesmo vivencia, passará por uma longa série de encarnações sofridas, por escolha própria, a fim de buscar vencer as imperfeições exacerbadas que lhe fizeram agir de tal forma.

Conclusão

A guerra e as contendas, em menor ou maior grau, ainda são inerentes à nossa condição de Espíritos muito imperfeitos, e só deixarão de existir no dia em que praticarmos as leis de Deus, isto é, no dia em que a caridade moral, a benevolência, enfim, o bem em si estiver instalado no coração de cada um, como obrigação, bem como que cada um faça seu esforço próprio para se livrar do egoísmo e do orgulho, imperfeições que dão origem a todas as outras. E, para isso, é necessário que o homem eleve-se acima da matéria e compreenda que, como Espíritos encarnados, a única coisa que realmente importa e que levamos daqui é o progresso que tenhamos ou não realizado. E, nisso, o Espiritismo, como ciência, e a educação nas bases da pedagogia de Pestalozzi (principalmente), tem muito ainda a contribuir.

Façamos preces, sim, pelos nossos irmãos. Sabemos que o pensamento tem poder de transmissão a infinitas distâncias. Podem, quem sabe, atingir os corações mais endurecidos, como também podem fazer muito bem àqueles que são vítimas dos desmandos despóticos de todos aqueles que querem imperar pela força e pela violência. E aproveitemos para estudar, não para darmos aulas de Espiritismo, mas para nos fazermos mais úteis à sociedade através de nossa própria transformação e da propagação das ideias baseadas na preexistência da alma e de sua continuidade infinita.




Já pensou em conversar com os Espíritos?

Esta é uma reflexão honesta e aberta. Acontece que, hoje, só se pensa em doutrinar. Esquecemos, porém, que os Espíritos tem muito a nos ensinar – mesmo os mais infelizes, pois podemos analisar seu estado atual, os motivos das complicações de suas vidas e, disso, obter muitos conhecimentos importantes. Estudando Kardec, vemos que não somente ele, mas também muitos grupos distribuídos pela Europa e pela América do Norte realizavam pesquisas sérias a respeito através das comunicações mediúnicas – e não apenas esperando que “o telefone toque de lá pra cá”, mas realizando evocações com fins sérios e úteis.

Além disso, naquela época, era costume anotar-se a tudo, gerando grandes volumes de documentos a respeito dessas comunicações, que, então, podiam ser estudados de forma independente por pesquisadores externos, através da racionalidade, buscando encontrar a concordância entre elas. É praticamente o que Kardec fazia, e é o que permitiu a estruturação do Espiritismo como Doutrina Cientíifica. Hoje isso raramente é feito, senão na produção das “cartas” de parentes desencarnados (cujas comunicações poderiam ser muito melhor aproveitadas). Meu ponto é: precisaremos retomar essa metodologia, afinal, a ciência humana avançou muito, mas o Espiritismo ficou praticamente parado no tempo, sendo que muitos conceitos que hoje são aceitos não passaram por essa metodologia necessária. Se, hoje, os vários grupos de estudos ou de práticas mediúnicas espalhados por aí retomassem essa tarefa, tomando o cuidado de não se contaminarem entre si a partir da partilha de ideias não sancionadas por esse método, poderíamos voltar a ter um grande volume de produção de conteúdos que, aos poucos, poderiam ser analisados. Isso, contudo, requer pelo menos o estudo básico de O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns.

Imagine, por exemplo, as controvérsias e falta de informações a respeito das “cidades espirituais”: não podemos, claro, perguntar ao Espírito, na sessão mediúnica: “Ei, você vive numa cidade espiritual? Onde fica?”. Isso provocaria, quase sempre, uma ideia contaminada como resposta. Antes, perguntaríamos: “poderia nos dizer como foi a sua chegada no plano espiritual? O que encontrou aí? Qual é a sua ocupação, hoje? Você se cansa? [Se sim] O que você faz para descansar?”

Entende? Tem outro ponto muito positivo: além de aprendermos com tais relatos, com efeitos sobre nós mesmos, nossos pensamentos e nossas atitudes, essas comunicações também são muito úteis aos Espíritos, principalmente aqueles em estado de perturbação, que, ao ser contrangido à ligação mediúnica, se centra um tanto mais, novamente e pode, nesse momento, refletir muito sobre sua condição, mudando de vida.

Enfim, é isso. Tem que recomeçar, de alguma forma. Só não podemos esquecer de estudar Kardec para isso, a fim de evitar as dificuldades já conhecidas e tratadas com muita clareza por ele.




Em defesa da pesquisa espírita: uma crítica aos cismentos

É tempo de recuperar Kardec.

Dias atrás me envolvi numa discussão acalorada – por detrás dos teclados – que acabou por me deixar irritado e indignado. O motivo? A questão das adulterações (ou não) nas duas obras finais de Kardec – O Céu e o Inferno e A Gênese.

Aqui, não vem ao caso a discussão em si a respeito dessas adulterações serem um fato ou não. Minha crítica vai em direção ao posicionamento mal-educado e sarcástico com o qual alguns dos “partidários” da não-adulteração se portam, atacando diretamente às pessoas e ao trabalho dos pesquisadores que levantaram essas importantíssimas informações e que deram força à necessidade de investigar o passado, com o mero intuito de tirar todo e qualquer crédito ou mesmo a vontade de estudá-las com a seriedade que, defendo, merecem.

Acontece que, se, para alguns (mas não para mim) as adulterações das obras citadas ainda são motivo de dúvida, por outro lado não se pode ter dúvida alguma das adulterações que o Movimento sofreu após Kardec, com a total perca de rumo dos propósitos iniciais da Sociedade Espírita e de seus meios de comunicação – isso fica muito claro em O Legado de Allan Kardec. É fato inegável que Leymarie permitiu, por interesses materiais, que os pensamentos de Roustaing tomassem frente na Doutrina, promovendo ideais antidoutrinários e desrespeitando o imenso e dedicado trabalho de Kardec e de sua esposa, Amélie Boudet, “a doce Gabi”. A Sociedade Espírita de Paris, comandada por Leymarie, se distanciou totalmente dos propósitos de Kardec, deixando-se, esse infeliz senhor, sucumbir pela tentação da vaidade e do dinheiro. Chegou ao ponto de expulsar, de um dos apartamentos destinados por Allan Kardec a fins de caridade, um casal de idosos, por simples atraso nos pagamentos do aluguel, quando o mesmo e a Sociedade contavam com grandes somas de posses e dinheiro [Privato, 2019]. Além disso, colocou de lado os planos para a continuidade do movimento espírita que, de acordo com projeto de Kardec, deveria contar com a multiplicação dos grupos de estudos e das “investigações” espíritas, regidas sob a metodologia necessária [ibidem] – ora, como poderiam aplicar tal medotologia aqueles que se veriam desmentidos por ela, não é mesmo?

Também é fato que o Espiritismo, desde a sua chegada em solo brasileiro, foi afetado por essa linha de pensamentos, encontrando guarida até mesmo em Bezerra de Menezes, um dos primeiros presidentes da FEB, instituição essa que, até 2019, tinha, como cláusula pétrea, a orientação do estudo dos Quatro Evangelhos, de Roustaing.

Fato é, também, que o Espiritismo de hoje está completamente descaracterizado e deturpado. Os centros espíritas, que outrora eram reuniões de espíritas confessos, dedicados ao estudo das comunicações mediúnicas e de seus efeitos morais e científicos, hoje reproduzem igrejas católicas, onde o fiel assiste ao sermão (palestra), recebe a benção (passe), faz uma oração e vai embora. Médiuns, em busca de auxílio, são colocados em longos cursos, que às vezes chegam a 7 anos de duração, quase sempre com cartilhas complicadas da FEB, para, ao final disso, se ainda estiverem minimamente interessados, serem “iniciados” no grupo mediúnico da casa. Médiuns honestos passaram a ser perseguidos por “animismo”, enquanto outros são tomados como oráculos: tudo o que dizem, por via mediúnica ou de sua própria opinião, é tomado como suma expressão da verdade e da sabedoria absolutas. E, então, passamos a ouvir, a torto e a direita, as mais ultrajantes ideias, que, continuamente, tem promovido escândalos e o afastamento das pessoas que, nas mais diversas condições, se sentem motivadas a entrar em um centro espírita em busca de ouvir algo diferente daquilo que falam por aí.

O momento é sério. Chegamos, novamente, em um novo ponto crítico da sociedade, com o materialismo vicejando alegre no coração dos homens. Mas, uma vez mais, o movimento contrário começa a tomar vulto, pois, sabemos, é preciso que o homem conheça o ápice do mal para voltar a buscar o bom e o belo. E é disso que tratam essas obras. Há quem critique Figueiredo por defender a autonomia sobre a heteronomia, isto é, por defender a essência do ensinamento da Doutrina Espírita: tudo depende de nossa vontade e de nossas escolhas, e não da aceitação cega de castigos e de recompensas. Justamente ele, o primeiro pesquisador NO MUNDO a procurar as obras originais de vários filósofos e cientistas, a fim de dar contexto científico e histórico ao nascimento do Espiritismo, juntamente com o Magnetismo, ciência-irmã do Espiritismo. Ora, por não concordar com sua posição – também baseada em provas e evidências – de que houve a adulteração em O Céu e o Inferno, devemos então descartar todo o resto?

Quando eu disse que “é tempo de recuperar Kardec”, não me refiro apenas ao estudo tão importante de suas obras, que são a base da Doutrina Espírita, mas me refiro objetivamente ao “recuperar Kardec” em seu exemplo, em sua pessoa, sempre, segundo todos os registros, tão boníssima e afável, mas também tão sensata e séria frente aos estudos das ciências. Kardec recomendava sempre que, para criticar determinado assunto, era preciso dele se inteirar completamente, fato pelo qual, por diversas vezes, deixou de abordar em profundidade aquilo que não pudera ter dado a devida atenção. Quando Kardec criticou Os Quatro Evangelhos de Roustaing, ele somente o fez após ler todos os quatro volumes. E ele, com o tempo que não tinha, o fez porque percebeu se tratar de uma obra cheia de ideias importantes, ainda que inexatas ou mesmo contrárias ao ensino concordante dos Espíritos. Kardec sempre fazia isso. E o que se vê, hoje, é que muitos não desejam reproduzir os passos do exímio pesquisador. Prendem-se às questões superficiais e, com preconceito, deixam de se aprofundar no conteúdo, passando então a criticar ou a colocar tais obras no esquecimento.

Quero, antes de finalizar, dizer que li O Legado de Allan Kardec do início ao fim, com muita atenção e cuidado. Os fatos ali apresentados, a respeito da adulteração de A Gênese, a partir da 5a edição, repito, são por demais objetivos, completos e complexos para que tal opinião seja apenas o fruto de um erro de má interpretação. No mínimo – e esta é a minha posição – abre uma margem muito grande para desconfiar de que, ali, há uma mescla de conteúdos que Kardec realmente iria alterar ou inserir, combinados com conteúdos inseridos por outra parte, com claro propósito de alterar o que já estava estabelecido doutrinariamente.

Não quero, enfim, forçar ninguém a acreditar em nada. É por isso que nossos meios de comunicação, diferentemente de muitos que existem por aí, estarão sempre abertos aos comentários e à troca de ideias. Mas quero deixar a você, caro leitor, o convite à leitura das seguintes obras, a fim de que você tome sua posição pelo seu próprio raciocínio:

  • O Legado de Allan Kardec, por Simoni Privato
  • Nem céu nem inferno: As leis da alma segundo o Espiritismo – por Lucas Sampaio e Paulo Henrique de Figueiredo
  • Muita Luz, de Berthe Fropo (link para o pdf aqui).
  • Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo – por Paulo Henrique de Figueiredo
  • Sobre “o caso A Gênese” – artigo de minha autoria.
  • As adulterações nas obras de Kardec e o “CSI do Espiritismo” – artigo de minha autoria



O desastre de Petrópolis na visão do Espiritismo: resgate coletivo?

Recentemente, a região serrana do Rio de Janeiro sofreu novo abalo, resultando em algumas dezenas de mortes. Desejo, de início, expressar sentimentos meus e do Grupo para com todas as vítimas desse flagelo e para com seus entes amados.

Preciso, contudo, me posicionar frente a alguns comentários que, nesses momentos, com muita infelicidade, algumas pessoas ditas “espíritas” acabam fazendo, quase sempre apoiadas sobre supostas comunicações mediúnicas. Não quero, de forma alguma, dizer que minhas observações representam a sumidade do ensinamento da Doutrina Espírita, que ainda apenas comecei a estudar, mas quero apenas me apoiar na lógica dos fatos e no raciocínio baseado naquilo que esse mesmo estudo nos confere.

Falta caridade

Basta que ocorra um desastre qualquer, de qualquer proporção, para que alguém, dizendo trazer uma comunicação mediúnica, venha imputar aquilo a uma suposta ação do “carma”, da “lei de ação e reação”, do “resgate de dívidas passadas”, sem, antes, refletir na completa falta de caridade com que agem quando assim se pronunciam.

No desastre da Boate Kiss, infelizmente, vários meios de comunicação “espíritas” se pronunciaram, atrelando aquelas tristes mortes ao holocausto nazista, afirmando que aquelas pessoas teriam sido “soldados que matavam judeus queimados ou asfixiados por cianeto” (veja aqui um pouco mais sobre isso).

Acerca do desastre com o avião da Gol em São Paulo, no aeroporto de Congonhas, em 2007, um livro, chamado “O Voo da Esperança”, chegou a ser produzido, supostamente atribuído a um Espírito, através do médium W.F.. Essa obra, um verdadeiro desserviço ao Espiritismo, chega citar o seguinte, conforme destaque em matéria da Folha:

“É a lei da ação e reação […] A providência divina, em sua sabedoria infinita, não colocou neste avião espíritos inocentes, mas almas seriamente comprometidas com um passado de erros […]”

“Esse grupo, de mais de duzentas pessoas, comprometidas com o passado de falta de compaixão para com os semelhantes […]”

Essa obra rendeu ao menos um processo contra a editora e o médium (veja mais).

E, no caso do desastre recente de Petrópolis, já existem pessoas divulgando comunicações mediúnicas afirmando se tratar de “resgate coletivo”.

O movimento espírita está ruindo de dentro pra fora

Meus irmãos, reflitamos! São erros sobre erros, causando enorme estrago no Espiritismo, cometidos por pessoas que deixaram de se guiar pelo necessário método racional na análise das comunicações mediúnicas e que passaram a permitir que qualquer tipo de conceito, transmitido por essa via, seja tomado como verdadeiro e doutrinário! Ora, Kardec sempre chamava a atenção de todos para o fato de que os Espíritos impostores, enganadores ou pseudossábios se comunicam por toda parte, inclusive em grupos mediúnicos sérios, e que, por conta disso, não podemos aceitar a comunicação de qualquer Espírito, sob qualquer nome que se apresente, como expressão da verdade (leia mais clicando aqui)!

Você, que está lendo, consegue se colocar na posição daquela mãe, que revirava a lama em busca de sua filha, de 17 anos, ouvindo da boca de alguém que se declare espírita as palavras “sua filha morreu assim porque está pagando por erros passados”? Consegue? Pois bem! Se conseguir, é por esse motivo – pela caridade – em primeiro lugar, e pelos seguintes, que jamais devemos expressar esse tipo de pensamento!

Nem tudo é expiação de erros passados

Quem estuda Kardec – estudo esse bastante ausente, hoje em dia – sabe muito bem que as tragédias individuais podem se dar por quatro motivos principais: expiação, quando o Espírito escolhe passar por uma determinada prova, com vistas a superar uma imperfeição; prova, que é quando o Espírito passar por qualquer dificuldade, planejada ou não, e que promove aprendizado e progresso; missão, quando o Espírito escolhe executar uma tarefa a fim de promover o bem para outros; e força da natureza, quando, por exemplo, um flagelo natural inevitável acomete milhares ou milhões de pessoas em simultâneo. Portanto, como podemos nos dar o direito de apontar para uma situação como essas acima, coletivas ou individuais, para inferir, errada e impiedosamente, que ela se dá por motivo de um “resgate” de erros passados? Isso, definitivamente, não nos compete!

Pensemos o seguinte: imagine que você, como Espírito, antes de encarnar, escolhe um gênero de provas e, talvez, de expiações. Sua encarnação transcorre sob esse planejamento, até que você se muda para uma cidade qualquer, convocado por uma oportunidade de trabalho. Vive lá por algum tempo quando, por uma ação fortuita da natureza, um meteorito cai nessa cidade, matando você e outros milhares ao redor. Veja: é um flagelo inevitável da natureza, aos quais estamos sujeitos pelo simples fato de estarmos encarnados. Morreremos e reiniciaremos outra encarnação, continuando nossa evolução.

Outro exemplo: no caso da Boate Kiss, será que tudo não se deu por irresponsabilidade alheia? Pois, sabemos que tudo aconteceu por utilizarem materiais combustíveis em um ambiente fechado, com dificuldade de saída (várias saídas se encontravam trancadas) e sem um sistema de extinção de incêndios eficientes. Ou seja, houve negligência, que é o resultado de escolhas de outras pessoas. Muitos dos que estavam ali, naquele momento, foram vitimados por essa cadeia de acontecimentos – ou será que podemos supor que a banda que tocava foi intuída a utilizar os materiais de pirotecnia (fogo) de modo a cumprir com um “carma coletivo”? Isso é irracional!

Muitos não sabem, mas, geologicamente, a região serrana da Serra da Mata Atlântica, que passa por SP e pelo Rio, é muito antiga, formada pelo depósito de matéria mais leve (terra) sobre elevações rochosas. Com o passar dos milhões de anos, essa camada superficial está ficando mais frágil e, quando ocorrem as chuvas intensas, provocam deslizamentos e desastres como esses. O ser humano, sendo encarnado na mesma matéria densa, está sujeito a essas ocorrências, pois faz parte de um mundo cuja natureza é bastante instável, se renovando dia após dia. Tais flagelos não resultam de uma impiedade de Deus: são necessários, na verdade, para acelerar o nosso avanço científico e moral (vide O Livro dos Espíritos, Parte Terceira, Cap. 5 – Flagelos Destruidores – clique aqui).

Transição Planetária?

Muito se diz que tais flagelos estão se acelerando por conta da chamada “transição planetária”, onde a Terra deixará de ser um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração. Em essência, essa transição não deixa de ser verdadeira, mas precisamos tomar muito cuidado, uma vez mais, com a implicação do que dizemos, pois muitos imputam a tais flagelos, inclusive às pandemias, o efeito de “separar o joio do trigo”, como se eles estivessem levando daqui os Espíritos que não mais poderão fazer parte deste planeta em sua nova fase. Esse é mais um pensamento errado e impiedoso.

Precisamos relembrar que os flagelos sempre existiram. Desde antes do tempo dos faraós, o globo é assolado por tragédias imensas, o que demonstra que elas não estão ligadas à tal transição. Elas sempre ocorreram e sempre ocorrerão, nesta fase de materialidade, com o intuito de nos fazer avançar científica e moralmente. A transição se dará pela modificação de ideias, do indivíduo para a sociedade, e não pela simples separação de Espíritos que ainda tem muito a aprender e a contribuir neste planeta.

Nenhum Espírito benevolente acusa o erro dos outros em público

Nós vivemos um triste momento no meio espírita, onde Kardec está relegado ao passado, como se tivesse sido superado (tudo aquilo que é base de uma doutrina não se supera, por ser base) e seu método e toda a racionalidade que ele demonstrou ser necessária na comunicação com os Espíritos, estão esquecidos e enterrados como se fossem desnecessários. O “Movimento Espírita” atual (que quase nada tem do Espiritismo verdadeiro, e há que se separar a Doutrina daquilo que fazem seus adeptos) passou a aceitar praticamente toda e qualquer comunicação mediúnica como expressão da sabedoria e da verdade e, dessa forma, está permitindo que conceitos antidoutrinários estejam ruindo, pouco a pouco, o movimento, em suas bases.

Observemos: quando vemos, em Kardec, os casos de expiação de mesmo gênero, como no caso de Antonio B, precisamos lembrar que se trata de uma evocação, onde o próprio Espírito relata sua escolha em passar por aquilo. Fica muito claro que nunca é uma imposição externa de uma suposta lei de pecado e resgate, e fica também muito claro que nenhum Espírito minimamente benevolente se vale de uma comunicação para apontar as faltas alheias e atrelar os sofrimentos presentes como uma forma de “resgatá-las”.

Espalhe a informação e venha estudar conosco

Uma vez mais venho pedir a você, que lê este artigo, que, como Espírita, informe a todos que puderem que não nos compete apontar o dedo para afirmar que alguém passa por um sofrimento determinado para saldar “dívidas” passadas. Isso afasta as pessoas da Doutrina e, sobretudo quando parte da aceitação cega de comunicações espirituais, vem destruindo o movimento espírita de dentro para fora.

E, por fim, a respeito do papel do médium e do pesquisador nas comunicações mediúnicas, bem como do tal “animismo”, abordaremos tudo isso na próxima live, no dia 24/02/2022, sobre o artigo “Espíritos impostores – O falso padre Ambrósio”, na Revista Espírita de julho de 1858. Leiam o artigo e não deixem de apresentar suas considerações, em nosso grupo do Facebook, para que possamos enriquecer nosso estudo.

O Espiritismo carece, sim, de defesa, e é chegado o momento de fazermos a nossa parte.




O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo

Prezados amigos, irmãos que a esta iniciativa se afeiçoam,

Convidamos uma vez mais a cada um de vocês à participação ativa em nosso grupo e à disseminação das ideias essenciais do Espiritismo que, aos poucos, começam a ser redescobertas e entendidas. É do interesse e da responsabilidade de todos nós a restauração, pacífica e paciente, mas persistente e firme, das verdades originais desta Doutrina nascida da observação racional dos ensinamentos espíritas dados por toda a parte e por todos os tempos! Não mais um Espiritismo adulterado, após a morte de Kardec, a fim de dar espaço às ideias retardantes de pecado, queda e castigo, de carma, de resgates, mas a Doutrina em sua essência, baseada na constatação do livre-arbítrio, da escolha das provas e das expiações, enfim, a Doutrina que nos evidencia que nosso passo se dá em direção sempre do aprendizado e do progresso espiritual, fazendo parte dessa jornada os erros e tropeços de cada um, a mesma Doutrina que nos mostrou, em sua essência, não uma alma criada pura e que se desviou pelo pecado, um Espírito criado simples e ignorante e que, conforme vai avançando em suas experiências, através de erros e acertos, de alegrias e de sofrimentos, vai se depurando de suas imperfeições e de sua materialidade em direção à felicidade verdadeira dos Espíritos superiores, já desgarrados dessas mesmas imperfeições e materialidade através da aquisição de melhores hábitos e valores morais.

Natural, contudo, que tais ideias libertadoras e renovadoras encontrem resistência tanto na ignorância orgulhosa, fechada à reforma das ideias, quanto no conhecimento interessado em manter sob suas rédeas a classe de fiéis às velhas doutrinas. Mesmo dentro do Espiritismo as tais ideias de queda, pecado e resgate estão profundamente enraizadas, já que as adulterações vêm desde poucos meses ou anos após a morte do digno professor Rivail.

Não será à base de guerras e disputas, contudo, que desvendaremos esse caminho cheio de sarças e espinhos, mas à base da compreensão lúcida e da palavra firme mas amistosa. Guardemo-nos de perder tempo com esses que compõem as classes acima destacadas, porque uns e outros não tem o menor interesse em modificar suas ideias frente à verdade irrefutável. Para esses, apenas o tempo surtirá efeito. Invistamos nosso tempo, contudo, na classe de todos aqueles aos quais essas ideias não apenas agradem, mas aos quais sejam substanciais: os que já não veem gosto na vida, os que pensam em dela desistir, os que não compreendem um Deus vingativo, os que, enfim, não entendem os motivos das dificuldades do dia-a-dia, ou ainda àqueles que, de boa vontade, desejam estudar o Espiritismo em sua essência, a fim de transmitir, a todos que puderem, as ideias reformadoras e consoladoras dessa Doutrina em sua originalidade.

Levantemos as mangas, portanto, queridos irmãos. A inação não faz bem a ninguém. Façamos a nossa parte. Eu, autor deste texto, estou aqui, hoje, por um Espírito muito amado que me estendeu a mão no momento mais difícil da minha vida e por outro, encarnado, que insistiu em, diariamente e sem agradecimentos quaisquer, divulgar uma reflexão espírita em um grupo de WhatsApp que estava e ainda está esquecido do motivo de terem formado uma família no centro espírita que, por conta da pandemia, agora se encontra fechado.

Basta um gesto, muitas vezes, para mudar uma vida, uma opinião, e, daí em diante, iniciar um movimento. Avante, prezados, e que Deus nos ilumine a todos para que, nesse processo, não nos deixemos contaminar jamais pelo personalismo, pela vaidade, pelo egoísmo e pelo orgulho.

O caminho é sinuoso, longo, pedregoso e cheio de espinhos, mas temos que trilhá-lo e limpá-lo para as próximas gerações, das quais provavelmente voltaremos a fazer parte.




“Tenho como saber quem eu fui em outras vidas? Como posso saber o que vim resgatar nessa minha jornada?”

Não é necessário.

O véu do esquecimento tem sua razão de ser e, muitas vezes, saber da outra vida traz mais atrapalhação do que solução. É algo que jamais uma pessoa séria fará, mas, infelizmente, existem os indivíduos mais interessados em ganhos e que, de forma irresponsável, se lançam a esse tipo de “trabalho”.

Ao observar a si próprio com um olhar bastante crítico e honesto, verificando nossas próprias imperfeições, podemos facilmente identificar aquilo que nos coloca em dificuldades frente às situações da vida, entendendo, então, que essas situações difíceis são justamente oportunidades, muitas vezes planejadas por nós mesmos, a fim de vencermos essas imperfeições e avançarmos em direção à felicidade verdadeira.

Por fim, destaco que, segundo a Doutrina Espírita, não existe “resgate”, não existe pagamento de dívidas, não existe, nesse sentido, o “carma”: o Espírito, consciente e livre, escolhe provas e expiações (e oportunidades) com a finalidade exposta acima – vencer imperfeições e adquirir virtudes – não sendo nunca, jamais, as dificuldades da vida o resultado de uma mecânica divina, conceito este ligado ao dogma da queda pelo pecado. O único Espírito que não escolhe suas provas é o Espírito em estado de negação, que ainda assim reencarna, mas que apenas vive uma vida que, por si só, frente aos conteúdos desse indivíduo, trará dificuldades e dores morais, que um dia o farão sair da negação e voltar a buscar enfrentar essas imperfeições através das escolhas conscientes.

Portanto, ao enfrentar uma prova difícil, não pense “estou pagando por algo ou resgatando algo do passado”, mas sim “é uma difícil mas importante oportunidade de aprendizado. Vou tirar dela o máximo possível”. E, para tanto, entender o Espiritismo a fundo é substancial!